Final de janeiro, abro o jornal e me deparo com uma manchete assustadora, mas não surpreendente, “Colégio de elite de São Paulo, suspende 34 alunos do ensino médio por suspeita de bullying”, por acaso era o colégio que estudei. No ano passado um adolescente bolsista de outro colégio de ponta de São Paulo se suicidou por sofrer bullying dos colegas por racismo e por ser homossexual. Essa realidade não é exclusividade nem das escolas de elite, nem de São Paulo.
Enquanto o bullying entre adolescentes é largamente praticado no ambiente escolar, o cyberbullying ultrapassa qualquer fronteira física. Cyberbullying é um termo da língua inglesa utilizado para caracterizar a prática agressiva de intimidações e de perseguições no ambiente virtual. As ações podem ser caracterizadas por críticas à aparência física, à opinião e ao comportamento social de indivíduos repetitivamente.
Em uma pesquisa encomendada pela Intel Security, empresa vinculada à Intel, realizada em 2015, feita com 507 crianças e adolescentes com idades entre 8 e 16 anos, revelou os seguintes dados sobre o cyberbullying no Brasil:
- 66% presenciaram casos de agressão na internet
- 21% afirmam ter sofrido cyberbullying
- 24% realizaram atividades consideradas cyberbullying. Desse grupo:
- 14% admitiram falar mal de uma pessoa para outra;
- 13% afirmaram zombar de alguém por sua aparência;
- 7% marcaram alguém em fotos vexatórias.
Segundo um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 23% dos brasileiros declaram ter sofrido bullying em algum momento da sua vida. Assim, nesse cenário, esse tipo de violência se apresenta como um problema de saúde pública em nosso país.
Mas esse é um fenômeno mundial. Em uma revisão sistemática e metanálise publicada no The Lancet Child & Adolescent Health, foram pesquisados bancos de dados de vários periódicos médicos, com artigos que relatavam dados sobre resultados de bullying atual (2023), entre crianças e adolescentes (de 4 a 17 anos), com diagnóstico de uma condição de neurodesenvolvimento ou psiquiátrica fornecido por um profissional de saúde. O tipo de bullying foi classificado como tradicional (físico, verbal ou relacional) ou como cyberbullying (danos intencionais e repetidos, infligidos através de dispositivos eletrônicos e redes sociais), e o envolvimento no bullying foi classificado como vitimização, perpetração e perpetração-vitimização. Foram recolhidas medidas de saúde mental e avaliadas as associações com o envolvimento em bullying.
Com a inclusão de 212 estudos na metanálise, a amostra total compreendeu mais de 126 mil casos (idade média 12,3 anos, 38% meninas) e 500 mil controles (12,5 anos, 47% meninas). Para o bullying tradicional, a prevalência agrupada foi de 42% para vitimização, 24% para perpetração e 14% para perpetração-vitimização. Para o cyberbullying, a prevalência foi de 22% para vitimização, 20% para perpetração e 21% para perpetração-vitimização. Em comparação aos grupos de controle, os jovens com problemas de neurodesenvolvimento ou psiquiátricos tinham maior probabilidade de se envolverem em bullying tradicional e cibernético como vítimas. O envolvimento no bullying foi associado a pontuações mais elevadas em medidas de saúde mental em jovens com condições neurodesenvolvimentais ou psiquiátricas, particularmente sintomas internalizantes e externalizantes.
Esse estudo destaca o envolvimento com o bullying como um fator de risco prevalente em jovens com condições neurodesenvolvimentais ou psiquiátricas que podem aumentar a carga de doenças por meio de seus efeitos negativos na saúde mental. As intervenções dirigidas a estas populações vulneráveis são necessárias para melhorar a sua saúde mental e a sua futura integração social.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, caracterizando a segunda maior causa de mortes entre jovens na faixa etária de 15 a 29 anos, e o bullying pode estar relacionado a essa estatística.
De acordo com um estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), mais de 150 milhões de adolescentes entre 13 e 15 anos de diferentes países já tiveram alguma experiência de violência dentro ou ao redor da escola envolvendo seus pares. Além disso, somente no Brasil, 15% dos estudantes com idades semelhantes já mencionaram faltar à aula por não se sentirem protegidos dentro e fora do ambiente escolar, e outros 7,4% foram vítimas de bullying. Na outra ponta, 20% dizem já ter praticado essa violência. Dessa forma, a escola precisa ser vista como um lugar de acolhimento e de escuta para que possa ser um alicerce contra a luta de comportamentos prejudiciais adquiridos por esse problema social.
O bullying impacta negativamente todos os jovens envolvidos: aqueles que sofrem, aqueles que intimidam, aqueles que testemunham, assim como os espectadores, que acabam não sabendo como reagir na maioria das vezes.
O cyberbullying pode ser punido com base no Código Penal Brasileiro, mas as consequências mais graves são as que afetam a saúde mental, como a depressão e o suicídio.
A Sociedade Brasileira de Pediatria possui um “Guia Prático de atualização – Bullying ” com este assunto, para melhor orientar os pediatras e profissionais que lidam com crianças e adolescentes.
Fontes:
https://www.estadao.com.br/educacao/colegio-santa-cruz-suspende-alunos-ensino-medio-bullying/
https://piaui.folha.uol.com.br/suicidio-aluno-colegio-bandeirantes/
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