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A falta de apetite e o despertar de uma descoberta clínica
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A falta de apetite e o despertar de uma descoberta clínica

A falta de apetite e o despertar de uma descoberta clínica

01/09/2025
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Estudo que investiga se a recusa alimentar antecede infecções infantis conquista primeiro lugar na categoria Residentes de Pediatria do 5º Prêmio Pensi de Pesquisa em Saúde Infantil. A médica e pesquisadora Bianca Bellemo: busca por evidências em relatos familiares e dados hospitalares.

Quando a noite chegava ao pronto-socorro infantil, a médica residente Bianca Sobral Bellemo deparava com relatos que pareciam se repetir. Pais e responsáveis diziam que seus filhos tinham parado de comer dois ou três dias antes de surgirem febre e outros sinais de infecção. Ela percebeu que isso não acontecia de modo pontual ou raro. A recorrência chamou a atenção, despertou uma pergunta e se transformou em um trabalho de conclusão de residência em pediatria no Sabará Hospital Infantil. Foi assim que, ao investigar o padrão alimentar de 239 crianças atendidas ali, Bianca explorou a hipótese de que a perda de apetite atua como um pródromo de doenças infecciosas. A consistência de seu estudo [“A falta de apetite como pródromo de doenças agudas infecciosas em crianças”] lhe rendeu o primeiro lugar na categoria Residentes de Pediatria do 5º Prêmio Pensi de Pesquisa em Saúde Infantil.

O olhar de quem percebe detalhes

Enquanto atendia casos de febre, dor e tantas aflições comuns à rotina pediátrica, ela se surpreendia ao descobrir que muitas famílias davam a mesma informação. O ponto central não era a febre em si, mas a maneira como a criança rejeitava alimentos nos dias anteriores, mesmo antes de qualquer manifestação mais explícita. Ela e seus orientadores, Mauro Fisberg e Priscila Maximino, decidiram investigar esses relatos de forma sistemática. Bianca montou um questionário simples. O objetivo era captar dados sobre as crianças em triagem ou já esperando atendimento, sem atrapalhar o cuidado médico que viria em seguida. Cada vez que o questionário era aplicado, surgia a impressão de que havia ali um comportamento mais frequente do que se supunha.

O estudo quantitativo, de caráter observacional transversal e natureza prospectiva, envolveu 239 crianças entre seis meses e dez anos, todas com quadros infecciosos confirmados. Destas, 115 tinham febre no momento da avaliação. Houve relatos de recusa alimentar em 67% do grupo febril, o que chamou bastante a atenção. Mesmo assim, a pesquisa trouxe um dado ainda mais específico: 17% dessas famílias afirmaram que a criança perdera o apetite antes de aparecerem sintomas como febre ou tosse. Esses números confirmaram que a percepção clínica da jovem médica encontrava apoio estatístico.

Descobertas que mudam a anamnese

Nas conversas com pais e mães, ela ouviu muito a frase “já faz dias que não aceita nada sólido, só toma leite”. Com a repetição, reuniu informações que sugerem que, para uma parcela não tão pequena de pacientes, a redução do apetite pode anteceder o quadro infeccioso. Essa constatação renova o jeito de conduzir a anamnese em pediatria. Um investigador atento pergunta não só há quanto tempo a criança tem febre ou tosse, mas também se houve recusa alimentar nos dias que precederam o surgimento desses sintomas mais evidentes.

Embora a taxa observada de 17% não seja alta, ela abre caminho para que novos estudos investiguem com mais profundidade a relação entre infecções virais ou bacterianas e a recusa alimentar. Na maior parte dos casos do trabalho de Bianca, a perda do apetite foi simultânea ao quadro febril ou começou na manhã do dia em que a febre apareceu à tarde. Isso reforça a ideia de que não há um descolamento temporal muito grande entre um sintoma e outro, porém indica que a criança talvez esteja comunicando um desconforto ainda sutil, pouco perceptível a exames ou a sinais clássicos de doença.

Repercussão e planos futuros

Ao apresentar o trabalho no 5º Prêmio Pensi, Bianca ganhou projeção. A simplicidade do tema encontrou respaldo em sua relevância prática. Muitos pediatras se enxergam na rotina descrita, lembram que os pais costumam chegar aflitos com o relato de recusa alimentar e ficam na dúvida se é apenas um comportamento passageiro ou sinal de que algo está por vir. O reconhecimento obtido no congresso serviu de incentivo para estender a investigação. Há interesse em ampliar o tamanho da amostra e comparar, por exemplo, se infecções respiratórias geram maior perda de apetite do que infecções urinárias, e se há diferenças na sensibilidade entre lactentes e pré-adolescentes.

A pesquisa nasceu no período em que a médica conciliava escalas intensas de residência com a missão de entender melhor os sinais apresentados pelas crianças, mesmo aqueles nem sempre descritos na literatura de maneira profunda. Suas anotações traziam um registro meticuloso da data em que a criança parou de comer, quais alimentos foram rejeitados e quando a febre surgiu. Esse esforço metodológico mostrou que um gesto aparentemente simples — não querer comer — pode anunciar o início de doenças infecciosas.

Mudança no cuidado

Ao ver o nome estampado como vencedora em uma premiação disputada por 114 estudos, Bianca sentiu surpresa e alegria. No dia da entrega do prêmio, ela estava hospitalizada. E Priscila Maximino, sua orientadora, representou-a na cerimônia, recebendo o troféu em seu nome. Bianca acredita que o feito não se esgota na validação de um detalhe clínico, mas pode alterar o procedimento de triagem em prontos-socorros. Saber se a criança recusou alimentos nos últimos dias vira pergunta essencial, reunindo indícios que se somam a temperatura, estado geral e sintomas respiratórios.

Ela, que já concluiu a residência e atua em vários serviços de saúde infantil, planeja publicar esses resultados em revistas científicas e apresentar em outros congressos. O Sabará Hospital Infantil e o Instituto Pensi apoiaram a iniciativa, cedendo espaço para que a coleta não comprometesse o atendimento e concedendo aval da diretoria para checar dados no prontuário. Em cada resultado parcial, houve a confirmação de que o modelo de questionário simples funciona bem em um ambiente agitado como o pronto-socorro, atendendo crianças que chegam a qualquer hora do dia.

O que desponta é a intenção de ampliar a consciência dos pais. Não comer, muitas vezes, não é teimosia ou uma recusa aleatória. Pode ser uma maneira de o corpo infantil sinalizar que algo não vai bem, mesmo que a febre, a tosse ou outros sintomas só se manifestem mais tarde. O trabalho de Bianca Bellemo ajudou a formalizar essa suspeita e propôs a criação de um discurso mais sensível, capaz de escutar os sinais vindos da criança antes de ela mesma conseguir traduzir em palavras o desconforto.

Por Rede Galápagos

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O conteúdo integral desta e de outras pesquisas selecionadas pode ser acessado neste link: 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil – Blucher Medical Proceedings

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