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O momento delicado que estamos vivendo em nosso país faz repensarmos muitas de nossas práticas. Afinal, somos parte do todo e o todo é parte de nós. O que aparece no macro é reflexo de muitas pequenas ações. De nosso dia a dia, desde o “bom dia” para o padeiro que te entregou o pão, ao olho no olho nos diálogos e discussões. Pois, se não pensarmos nos gestos pequenos, nos sentimos impotentes para transformar o grande.
Por isso, nestes dias conturbados, me peguei pensando no trabalho com as crianças e, dentro de muitos assuntos, na empatia. Quando digo empatia, quero dizer em conseguir “emergir no mundo subjetivo do outro e de participar na sua experiência, na extensão em que a comunicação verbal ou não verbal o permite. É a capacidade de se colocar verdadeiramente no lugar do outro, de ver o mundo como ele o vê” (Carl Rogers).
A empatia só pode acontecer quando se está em grupo, e este é um dos pilares do trabalho na Casa Ubá. Recebemos grupos de crianças que se encontram, se conhecem e se reconhecem a cada dia. As crianças de diferentes idades tem a oportunidade de estar juntas num lugar para elas e feito por elas. Elas estão implicadas em se relacionar. E se relacionar é difícil, ter que olhar para fora, para as vontades dos outros, para as igualdades, para as diferenças, ter que ceder e por vezes ter que se afirmar, se colocar… E se propor a achar modos de se relacionar. Neste trabalho, nós, adultos, temos a tarefa de garantir este espaço de estabelecimento de relações, e com isso possibilitar resolução de conflitos, reconhecimento do outro e de si e desenvolver empatia.
As crianças constroem modos de se relacionar que são próprios delas. Estes modos, muitas vezes, se dão pelo corpo, quando uma empurra a outra para pegar um brinquedo; pelo imaginário, quando utilizam parte do faz-de-conta para se explicarem; e pela fala.
Uma cena pode ilustrar este espaço e como as relações nele acontecem:
Num dia frio, uma criança demorou para conseguir despedir-se de sua mãe. Quando conseguiu, chorou e não queria companhia (nem de nós, adultos, nem das crianças do grupo). Sentou-se num cantinho e respeitamos sua tristeza. Depois de um curto tempo, uma criança se aproximou:
Criança 1: “Por que você está chorando?”
Criança 2: “Não.”
Criança 1: “Você tá chorando?”
Criança 2: “Tô.”
Criança 1: “Quando eu choro minha mãe fala pra eu respirar três vezes, ou pra eu pensar em uma coisa legal.”
(Silêncio)
“Tipo o bolo que a gente fez outro dia” (fala ao mesmo tempo em que se senta ao lado da outra criança).
(Silêncio)
Criança 2: “Eu gosto de bolo. E gosto também de chocolate e de cenoura.”
Criança 1: “Não gosto de cenoura.”
(Uma criança deu a mão para a outra e foram brincar.)
Nesta cena, penso que o primeiro impulso adulto seria tentar solucionar o choro conversando com esta criança: que sua mãe já volta, que ela vai ficar bem no grupo etc. E nós tentamos, oferecemos ajuda e ela não quis naquele momento e sabia que estávamos prontos para ajudá-la quando quisesse. Então respeitamos o tempo dela. A criança que se aproximou pode dar o conforto que ela queria, dizendo suas estratégias para se acalmar, oferecendo-lhe sua mão e desta vez ela aceitou. Talvez tenha se identificado com a outra criança. A criança que ajudou se implicou em estar com o outro que estava precisando de um apoio, olhou para o coletivo, soube escutar e estar em silêncio. Cuidou de seu colega e, ao cuidar dele, cuidou de si e do grupo. Houve empatia.
Em tempos de crise é preciso garantir este espaço de olhar, escutar, compreender, refletir, dialogar… Não só por si, mas também pelo coletivo.
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Atualizado em 11 de setembro de 2024