PESQUISAR
Vírus respiratórios: o impacto da epidemia de coronavírus e do isolamento social nas doenças respiratórias em crianças
O início da pandemia causada pelo novo coronavírus trouxe à tona uma série de questões relacionadas aos sistemas de saúde do mundo, que vão desde o número de leitos de UTI por 100 mil habitantes até as os modelos de estudos clínicos usados para testar tratamentos e vacinas. De repente, assuntos como modelos epidemiológicos e efetividade dos diferentes tipos de EPI viraram assunto nas redes sociais e na mídia.
Temos acompanhado especialistas de todas as áreas falando diariamente na TV e o infectologista virou uma espécie de oráculo. Tudo isso por um motivo: fomos pegos desprevenidos por esse vírus e nos vimos com muito mais perguntas do que respostas.
O impacto desta doença, a Covid-19, nos países da Europa, especialmente na Itália, chocou o mundo ao expor as condições dos pacientes amontoados nos hospitais, em condições gravíssimas, sem o tratamento necessário pelo esgotamento de recursos e de pessoal. Os relatos emocionados de médicos e enfermeiros que tiveram que decidir quem receberia mais recursos de tratamento fez muita gente chorar diante da TV. E com razão.
Esta é uma situação sem precedentes na nossa geração. Parte das medidas tomadas em vários países foi a restrição da circulação de pessoas e, em alguns casos, o confinamento completo de cidades e regiões. Tudo isso para evitar que pessoas infectadas, com ou sem sintomas, causem o adoecimento de outros, especialmente daqueles que carregam fatores de risco para desenvolver as formas mais graves da doença.
Por razões ainda não totalmente elucidadas, esse vírus não afeta as crianças com mesma gravidade que adultos e idosos. Assim sendo, as crianças inspiram mais preocupação por serem potenciais vetores ou transmissores assintomáticos e, por esse motivo, deve ser ter um cuidado maior na higiene, no contato físico, na limpeza do ambiente e no contato com outras crianças ao menor sinal de sintomas respiratórios. Essa nova ordem dos cuidados infantis trouxe uma consequência inesperada: os hospitais e pronto-socorros pediátricos estão vazios. Vazios como há tempos não se via.
O início do outono leva, todos os anos, multidões aos pronto-atendimentos, clínicas e hospitais pediátricos com vírus respiratórios. A imensa maioria das visitas é motivada por doenças respiratórias. E é delas que vamos falar com mais atenção.
Os vírus respiratórios, em crianças menores de 2 anos, causam uma doença chamada bronquiolite. A infecção provoca um processo inflamatório das vias aéreas inferiores que começa com sintomas de resfriado e evolui para tosse, aumento de secreção e desconforto respiratório. Estudos mostram que todas as crianças até os 24 meses terão, ao menos, um episódio de bronquiolite.
No Brasil temos, aproximadamente, um milhão de casos por ano. Desses, 100 mil necessitam de assitência hospitalar e 10 mil precisam de internação ou cuidados de terapia intensiva. Em linhas gerais, o dobro de crianças com bronquiolite evoluem de forma grave em comparação aos pacientes infectados pelo coronavírus. A bronquiolite é a doença que mais mata crianças menores de dois anos no mundo.
Se há uma escassez de leitos de UTI e ventiladores para adultos, quando se trata da população pediátrica, que necessita de ventiladores especiais e espaços físicos adequados, a situação é ainda mais crítica. Testes de medicamentos e vacinas em crianças criam desafios técnicos e éticos ainda maiores do que nos adultos. O adoecimento de um bebê altera, de forma dramática, a dinâmica de toda a família e, em muitas vezes, de toda uma comunidade. Durante a sazonalidade, presenciamos nos hospitais públicos brasileiros cenas que não ficam muito distantes do dilema mostrado no clássico filme A Escolha de Sofia, que relataram os médicos italianos.
E, ainda assim, tratamos essa condição como um algo corriqueiro. “Depois de maio, melhora!”, “Nas férias de julho isso tudo acaba”. É um ciclo de aproximadamente quatro meses, que tem seu pico de 30 a 40 dias depois dos primeiros casos e que tende a melhorar quando as crianças já foram expostas e diminuem o contato social nas férias de inverno. No fim de agosto veremos uma nova onda de infecção, dessa vez mais branda porque teremos menos crianças suscetíveis e com uma proporção um pouco menor de casos graves. Soa familiar? Provavelmente você ouviu opiniões de vários especialistas falando do coronavírus usando a mesma linha de raciocínio.
Ou seja: temos uma epidemia de bronquiolite todos os anos que é banalizada e negligenciada por governos e pela sociedade em geral. O impacto social e econômico gerado por essa condição é sabidamente relevante, porém pouco quantificado.
A urgência e a gravidade da situação atual nos despertaram para a necessidade de pensarmos na saúde como um bem coletivo, de termos medidas de prevenção e de explorarmos novas alternativas que permitam a democratização do acesso à saúde.
Vamos nos permitir absorver e aprender com essa experiência para evitar a pequena tragédia que sofremos todos os anos: se seu filho estiver doente, não o deixe em contato com outras crianças; se você estiver doente, não visite crianças pequenas; não leve bebês a locais com aglomeração e, por favor, lave as mãos frequentemente.
Saiba mais: