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Com 98 recém‑nascidos acompanhados, a psicóloga Bianca Rustiguelli (à esquerda) mostra como pequenas adaptações do ambiente podem reduzir o estresse tóxico e favorecer o desenvolvimento de bebês pré‑termo
“Eu entrava na unidade para atender as famílias e via esses bebês lutando para se regular em meio a barulho, luz forte e punções sucessivas. Pensei: precisamos medir o que realmente os protege”, diz a psicóloga Bianca Rustiguelli, 29 anos, contratada do Serviço de Neonatologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HC‑FMRP/USP) e mestranda ligada ao Laboratório de Prevenção de Problemas de Desenvolvimento e Comportamento da Criança (Lapredes).
Em 2022, a inquietação se transformou no projeto “Impacto das estratégias de proteção da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal nos comportamentos de estresse e autorregulação de recém‑nascidos pré‑termo” — recorte que lhe rendeu o 2.º lugar na categoria Profissionais do 5.º Prêmio Pensi de Pesquisa em Saúde Infantil.
Prematuros de muito baixo peso dependem da UTIN para sobreviver, mas a intensa rotina de ventilação, coletas sanguíneas e alarmes eleva o risco de estresse tóxico, capaz de alterar circuitos cerebrais ainda imaturos. “Queríamos observar minuto a minuto que sinais o bebê envia quando está desconfortável e quais estratégias o ajudam a voltar ao equilíbrio”, resume Bianca.
Como a observação acontece |
O estudo, de natureza observacional, prospectiva e longitudinal, acompanha bebês com idade gestacional inferior a 37 semanas durante os 7 primeiros dias de vida. Cada participante é observado em blocos de 5 minutos ao longo de uma sessão de 30 minutos. Dois conjuntos de dados são registrados:
Simultaneamente, a equipe preenche um checklist de estratégias protetivas (luz atenuada, ruído controlado, método canguru, presença dos pais, intervalos sem manuseio) e de procedimentos estressores (punção, aspiração, troca de fraldas etc). “Não fazemos nenhuma intervenção; somos testemunhas do cotidiano”, explica a pesquisadora. |
A proposta inicial previa 30 bebês, mas a coleta terminou com 98 recém‑nascidos avaliados no período neonatal. “Foram dois anos de plantões, 2022 e 2023, intercalados com minha licença‑maternidade. A ampliação da amostra aumentou a robustez estatística, embora traga o desafio de seguir cada criança até oito meses de idade corrigida”, conta Bianca. Os primeiros cruzamentos apontam correlação clara: quanto mais ruído, luz e toques sem pausa, maior a frequência de sinais de estresse, como respiração acelerada ou espasmos. Ao mesmo tempo, bebês expostos a períodos regulares de contato pele a pele e a um leito bem aconchegado exibem mais movimentos de autoconsolo, como levar a mão à boca. “É uma dança muito sensível entre o ambiente e o organismo”, resume.
Além do bebê, o estudo mede depressão e estresse maternos por meio das escalas PHQ‑9 e EEPa. Bianca observa: “Quando a mãe está exausta ou ansiosa, entendemos como um fator de risco para sua interação com o recém-nascido. O bebê perde uma camada de proteção”. Essa hipótese será testada na segunda fase, entre seis e oito meses de idade corrigida, por meio das Bayley Scales (III) de desenvolvimento cognitivo, motor, linguagem, comportamento adaptativo e socioemocional.
Trabalhar dentro de uma UTIN traz obstáculos práticos: bebês instáveis são temporariamente excluídos da observação; outros falecem antes da alta ou perdem o acompanhamento ambulatorial. “A instabilidade clínica é a regra, não a exceção. Isso afeta a amostra, mas também evidencia o quanto precisamos de rotinas protetivas padronizadas”, afirma.
Um segundo desafio veio da constatação do uso de substâncias na gestação. “Excluímos vários casos porque as mães eram usuárias de drogas. Esse recorte revela uma realidade social que agrava o risco para o bebê”, observa Bianca. O fenômeno, embora fora do escopo principal, acende um alerta ético e de saúde pública.
Mesmo sem a conclusão da análise longitudinal, as observações já inspiraram pequenas mudanças. Enfermeiros passaram a regular a intensidade das luzes dos monitores e a agrupar procedimentos para garantir janelas de sono profundo. “Às vezes é algo simples, como ajustar o ninho na incubadora para manter o bebê contido em posição adequada”, diz a pesquisadora.
Para Bianca, o prêmio Pensi legitima pesquisas “feitas em contexto intensivo, entre alarmes, intercorrências e famílias aflitas”. Ela acredita que a visibilidade ajuda a convencer gestores sobre a relevância de financiar protocolos de cuidado centrado no desenvolvimento. “Monitorar sinais de estresse não é luxo; é prevenção de sequelas que custam caro à criança e ao sistema de saúde.”
A equipe segue avaliando cerca de 20 bebês que já completaram seis meses de idade corrigida. A meta é confrontar os escores Bayley com os índices de estresse neonatal. Bianca adianta que pretende divulgar um guia ilustrado para pais, explicando como reconhecer em casa sinais de autorregulação.
Prematuridade está ligada a desafios que vão do atraso motor à dificuldade de atenção na escola. Reduzir o estresse nas primeiras horas de vida pode atenuar esse percurso. “Cuidar da incubadora, controlar som e luz, permitir que a mãe tenha contato: são gestos de baixo custo e alto impacto”, defende a psicóloga.
A pesquisa também reforça a ideia de que a saúde mental materna deve integrar o pacote de cuidado intensivo. “Quando a mãe está bem amparada, ela se engaja mais e o bebê se beneficia em cascata”, completa.
Silva, Bianca Basso Rustiguelli Da; Souza, Vitória Guimarães de; Pereira, Fabiola Lima; Teixeira, Guilherme Mayrink; Gaspardo, Cláudia Maria; “IMPACTO DAS ESTRATÉGIAS DE PROTEÇÃO DA UNIDADE DE TRATAMENTO INTENSIVO NEONATAL NOS COMPORTAMENTOS DE ESTRESSE E AUTORREGULAÇÃO DE RECÉM-NASCIDOS PRÉ-TERMO”, p. 148 . In: Anais do 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil. São Paulo: Blucher, 2024.
ISSN 2357-7282, DOI 10.5151/sabara2024-3014
Por Rede Galápagos
O conteúdo integral das pesquisas selecionadas pode ser acessado neste link: 7º Congresso Internacional Sabará-Pensi de Saúde Infantil – Blucher Medical Proceedings
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