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O 3 de junho, Dia da Conscientização contra a Obesidade Mórbida Infantil, é um dia de reflexões e angústias para os profissionais de saúde. Quase sempre, quando chegamos ao estado mais grave de uma doença, significa que houve alguma falha na prevenção, diagnóstico precoce ou mesmo do tratamento inicial. Sim, a obesidade é uma doença de mil causas e consequências, e quanto mais intensa, precoce e prolongada, maiores os riscos futuros.
O excesso de peso pode se iniciar já no período da gestação, com o excesso de peso da mãe durante a gravidez e consequente maior ganho de peso do feto. No entanto, mesmo crianças nascidas de baixo peso, por uma série de problemas, que vão de alterações no metabolismo até a forma exagerada das tentativas de recuperação nutricional, podem levar a um caminho de ganho de peso, hipertensão, diabetes e obesidade mais grave.
Geralmente consideramos a obesidade como uma doença de características hereditárias, genéticas e metabólicas, modificada pelo ambiente, qualidade e estilo de vida. Resulta num desequilíbrio, em um ambiente propício, da energia ingerida (alimentação inadequada em quantidade e qualidade) e a energia dispendida (o quanto gastamos em atividade física ou exercícios físicos).
Quanto ao sobrepeso e à obesidade infantil, estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde) projetam que teremos 75 milhões de crianças obesas no mundo em 2025. A Pesquisa de Orçamento Familiar de 2008-2009 e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) demonstrou um aumento importante do número de crianças entre cinco e nove anos com excesso de peso no Brasil, alcançando taxas de 34,8% e 32% de sobrepeso e 16,6% e 11,8% de obesidade em meninos e meninas, respectivamente. Em 2014, dados do estudo que realizamos em uma população representativa de pré-escolares brasileiros, o Nutri Brasil Infância I, mostravam que 11% das crianças menores de 5 anos apresentavam obesidade.
As notificações do SISVAN (sistema de vigilância alimentar e nutricional do Brasil) de 2019, revelam que 16,33% das crianças brasileiras entre cinco e dez anos estão com sobrepeso; 9,38% com obesidade; e 5,22% já apresentam obesidade grave. Nos gráficos de crescimento, podemos verificar que a relação do Índice de Massa Corporal- IMC esta acima do 3 desvio padrão da normalidade ou, como chamamos de Z escore acima de +3, para a idade e o sexo. Esta situação também é chamada de obesidade mórbida.Em relação aos adolescentes, 18% apresentam sobrepeso; 9,53% são obesos; e 3,98% têm obesidade grave.
As causas e consequências do excesso de peso na infância são multifacetadas e complexas, especialmente se considerarmos a precocidade com que as complicações estruturais, funcionais, metabólicas e emocionais incidem como estigmas nos casos de obesidade infantil. A obesidade grave de início na infância gera problemas de curto, médio e largo prazo, com consequências que variam de dificuldades de postura, autoestima, ortopédicas, respiratórias e da pele, chegando a aumentos de fatores metabólicos como o aumento das gorduras corporais, colesterol e triglicerídeos, possibilidade de resistência a insulina (um estado que alguns pesquisadores chamam de pré-diabetes) e aumento das gorduras no fígado.
Crianças e adolescentes com excesso de peso sofrem bullying ou perseguições mais frequentes, às vezes iniciadas dentro de casa, e posteriormente no meio social, com possível aumento de ansiedade, depressão, baixa autoestima e riscos de maior isolamento. Eles costumam ter maior dificuldade de desenvolver atividades físicas, seja pelo medo de expor o corpo, ou por problemas durante o processo de orientação junto aos educadores, ou pelo meio.
Sabemos que a prevenção é o melhor modo de impedir o desenvolvimento de todos os problemas relacionados ao excesso de peso. A família é o exemplo, o espelho e a geradora dos hábitos, tanto alimentares quanto físicos, que vão determinar o possível ganho de peso excessivo. Cabe aos pais e aos profissionais de saúde fazer a detecção de aumentos inadequados de peso e estatura, não acreditando apenas que as crianças são mais fortes ou mais altas e, por isto, mais pesadas. Os gráficos de crescimento, medidas de avaliação da composição corporal e se necessário exames de laboratório, podem ajudar o profissional de saúde a avaliar as condições decorrentes da obesidade.
O tratamento é complexo, porque significa mudar totalmente o estilo de vida da família, com melhoria da alimentação de todo o grupo familiar, a incorporação de hábitos frequentes de atividade física compatíveis com cada faixa de idade e comportamentos facilitadores de controle. Quando houver qualquer dúvida sobre o ganho de peso de uma criança ou adolescente, o pediatra é essencial para poder resolver a equação sobre se o processo é normal ou está fora de controle.
O uso de medicamentos para o tratamento da obesidade é complexo, especialmente em pediatria. Podemos prevenir algumas das consequências com medidas simples de modificação de dieta e atividade física, mas algumas vezes necessitamos de tratamento para problemas associados à pele, respiração, postura e ao aumento das gorduras corporais. Não há medicamentos adequados para emagrecimento de crianças, e o pediatra precisa de muito cuidado ao avaliar o equilíbrio entre a necessidade do crescimento e da modificação corporal de uma criança com excesso de peso.
Alguns medicamentos podem ser utilizados na falha da modificação da qualidade de vida da família (atividade física e alimentação), especialmente no tratamento da resistência insulínica – um aumento da relação entre a insulina e a glicose – resultante de um maior trabalho do pâncreas para impedir um aumento da glicose sanguínea, e da deposição de gordura dentro do fígado. Mais recentemente, um grupo de medicamentos tem sido estudado em adolescentes, com a utilização de um análogo a um hormônio chamado GLP1. Inicialmente recomendado para diabéticos, verificou-se que este composto tem efeitos emagrecedores importantes em obesos mórbidos. No entanto, ainda são medicamentos caros, com necessidade de uso injetável diário (ainda está em estudo para adolescentes uma nova droga de uso semanal), e com efeitos colaterais a serem avaliados.
Para adolescentes acima de 16 anos, com obesidade mórbida e com associação de doenças graves, como aumento das gorduras corporais, hipertensão, diabetes ou risco extremo, se houver falha duradoura nas medidas de educação e qualidade de vida, cogita-se a cirurgia bariátrica. No entanto, a cirurgia é drástica e não pode ser utilizada sem um enorme envolvimento de todo o grupo familiar para a mudança comportamental de todos.
Sabemos que quanto mais precoce, grave, intenso e prolongado o quadro de obesidade na infância, maior a chance de obesidade mais grave na vida adulta, com real risco de problemas sérios relacionados ao excesso de peso e à morte. O diagnóstico precoce salva vidas sempre. O pediatra precisa medir, pesar e interpretar o peso e estatura das crianças. E precisa agir o mais rapidamente possível para impedir as consequências da obesidade grave.