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Confira abaixo a entrevista exclusiva do médico, imunologista e assessor científico do Instituto PENSI, Antonio Condino Neto, para o livro: “O SABER PARA A SAÚDE INFANTIL – OS PRIMEIROS DEZ ANOS DO INSTITUTO PENSI”
Ter uma motocicleta BMW R 1250 GS na garagem para os passeios de final de semana diz muito sobre a personalidade inquieta de Antonio Condino Neto. Pediatra de formação, alergista-imunologista de exercício de profissão, o professor é um dos maiores pesquisadores do país na área de imunologia pediátrica. Montado na big trail, gosta de “ir para as montanhas e ver o mundo do alto”, nas palavras deles. No laboratório, trabalha com a perseverança de quem busca inovar para fazer a diferença. A trilha até aqui foi longa e com os altos e baixos naturais da profissão. “A cada 10 experimentos em um laboratório de pesquisa, 12 dão errado. Para avançar e inovar em pesquisa, tem de entender que é assim”, diz.
Formado na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é Ph.D. em farmacologia pela Universidade de São Paulo (USP). Fez pós-doutorado em medicina molecular na Universidade de Massachusetts e atualmente é professor titular aposentado de imunologia e medicina experimental do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, presidente do Departamento de Imunologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e assessor científico dos institutos Jô Clemente e PENSI.
Autor de mais de 186 publicações revisadas por pares, envolveu-se intensamente no desenvolvimento do programa de triagem neonatal para imunodeficiências primárias. Teve a maior conquista em 2021, quando o governo sancionou o projeto de lei que amplia o número de doenças rastreadas de 6 para 14 grupos de doenças pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dá para dizer que, assim como o modelo da sua motocicleta, Condino Neto é um pesquisador “unstoppable”.
Qual é o futuro em tratamento de imunologia?
Antonio Condino Neto — Sem dúvida, é a personalização. Só no caso das deficiências primárias, temos 450 doenças raras, monogênicas (quando há alteração da sequência de DNA de um único gene). Além disso, temos as doenças autoimunes, as doenças alérgicas, cujos mecanismos vão sendo desvendados à medida que se caminha com as pesquisas mundo afora. Uma vez conhecido o mecanismo, nós podemos conceber medicamentos que atuem sobre as diversas etapas desse mecanismo para corrigir defeitos funcionais ou modulares. Esses medicamentos podem ser imunobiológicos ou convencionais para eventualmente repor aquilo que o paciente não faz. Um exemplo é a terapia de reposição de imunoglobulinas, quando os pacientes têm defeitos funcionais e nós temos que repor os anticorpos.
O que esperar da terapia gênica (procedimento em que são feitas modificações genéticas em células como forma de tratar uma doença)?
Antonio Condino Neto — As doenças monogênicas serão passíveis de correção por terapia gênica, sem dúvida. Mas nós ainda temos muito a avançar no sentido de desenvolver as tecnologias que permitam a edição, a correção gênica. Caminhar com esse tipo de tratamento é mais fácil do que recorrer ao tradicional transplante de medula ou transplante de células-tronco hematopoéticas, que é um procedimento altamente complexo e exige a compatibilidade entre doadores. A terapia gênica não — ela é um autotransplante das próprias células dos pacientes manipuladas in vitro para inserção de sondas de DNA que corrijam o seu defeito genético. Daí nós reintroduzimos as próprias células do paciente sem aquele risco de rejeição ligados aos transplantes. Então, com certeza, o futuro aponta para a terapia gênica e para o uso de medicamentos que atuem pontualmente nos mecanismos defeituosos. A personalização da medicina.
O senhor estruturou o laboratório do PENSI do zero. Como isso se deu?
Antonio Condino Neto — Montamos um laboratório que dá retaguarda para procedimentos bioquímicos, biologia molecular e cultura de células. Atende aos propósitos da imunologia, mas também de outras disciplinas. É um laboratório onde se podem desenvolver projetos multidisciplinares, pesquisas integradas, que são a proposta do instituto. Já andei muito pelo mundo, e é assim que funciona nos modernos centros de pesquisa.
Por que o laboratório é um elo importante entre o Instituto PENSI e o Sabará Hospital Infantil?
Antonio Condino Neto — O laboratório é onde nós podemos fazer os exames especializados para o diagnóstico das imunodeficiências, que são um grupo de 450 doenças raras, como já falei. São diagnósticos que não estão disponíveis comercialmente nos laboratórios de rotina. E sem esses diagnósticos nós não temos como fazer uma pesquisa em imunodeficiência primária. Instituir essa pesquisa — tudo o que se refere a imunologia não é só coletar dado clínico — depende da experimentação laboratorial, já que se trata de doenças do sangue, assim como é a hematologia. Portanto, nós dependemos de processar amostras dos pacientes para analisar as células do sangue e sua estrutura e função, aspectos genéticos funcionais para constituir o corpo de uma pesquisa. Então o PENSI é uma estrutura de pesquisa que vai além da simples observação clínica para estudar mecanismos de doenças. E o Sabará, sendo um grande hospital pediátrico que atende em diversas especialidades, depende de um laboratório para fazer pesquisa moderna e translacional.
Ter acesso aos pacientes do Sabará é um diferencial do PENSI?
Antonio Condino Neto — Sem dúvida, é o melhor dos mundos. Esse é um grande atrativo para os pesquisadores. Ter acesso aos pacientes, à estrutura do hospital. A minha ideia é trazer para o Instituto PENSI tudo o que eu fazia na USP. Montar um programa de auxílio diagnóstico de doenças complexas, transformar isso num trabalho de imunologia clínica, que a gente possa publicar uma casuística, porque essa linguagem todos entendem.
Qual é a diferença entre fazer pesquisa numa instituição particular e fazer numa pública?
Antonio Condino Neto — No Brasil existe uma mentalidade entre acadêmicos que pesquisa só se faz no espaço público, na universidade pública. Não é verdade. Quando você fala em parcerias público-privadas, muitos torcem o nariz, como se o dinheiro privado fosse sujo. Mentalidade atrasada, mas isso está começando a mudar. Além do Instituto PENSI, temos outros institutos vinculados a grandes hospitais, caso de Sírio-Libanês, Albert Einstein, Oswaldo Cruz, em São Paulo; Rede D’Or, no Rio; o Instituto Pelé, ligado ao Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba; entre outros. Então a gente vai vendo essas iniciativas germinarem como uma mudança de paradigma.
É exagerado dizer que a pesquisa para o Projeto da Triagem Neonatal demoraria muito mais para ser concluída se ficasse restrita à universidade?
Antonio Condino Neto — Não é exagerado, não. Ela não teria avançado. Não é na universidade que se faz triagem neonatal. A triagem neonatal é feita em laboratórios especializados e em instituições especializadas. A que nós desenvolvemos foi em parceria com o Instituto Jô Clemente. Eles têm a estrutura e a expertise de cobrir, abranger as áreas dos hospitais e as maternidades. Eles têm a expertise da logística de coletar esse material, trazer para o laboratório. Eles têm ainda a estrutura da busca ativa quando há alteração no exame, sabem como localizar a mãe, o que falar, como pedir um exame confirmatório, qual retaguarda dar a essa família… Essa é uma história de mais de 50 anos, que começou na década de 1970, com o doutor Benjamin Schmitt. Ele é o pai da triagem neonatal no Brasil. É um trabalho de cinquenta anos. Esse projeto para triagem não teria caminhado dentro da universidade, exclusivamente. Caminhou porque a gente foi ao lugar certo para buscar essas amostras e fez a parceria certa com uma entidade privada. O dinheiro veio da captação por renúncia fiscal, após aprovação do Ministério da Saúde pela Lei do PRONAS/PCD, mas foi o PENSI que deu o ritmo e a estrutura organizacional e administrativa.
O Projeto de Triagem Neonatal acabou se transformando em política pública. Isso é o suprassumo para o pesquisador
Antonio Condino Neto — Para mim é, porque eu gosto de fazer pesquisa aplicada para trazer resultados que possam beneficiar o paciente. Eu não sou aquele cara da pesquisa básica teórica, como, por exemplo, o James Watson e Francis Crick, que descobriram a estrutura molecular do DNA na década de 1950, mas que os principais impactos surgiram muitos anos depois. Então eu gosto das coisas mais imediatas e também porque eu vivo no Brasil, não é? Então procuro fazer coisas que tenham uma aplicabilidade maior, que eu vejo que já dá retorno. Isso para mim é muito importante.
E a imunologia dentro do atendimento clínico?
Antonio Condino Neto — É também possível descobrir determinadas características da nossa população, já que a área de imunologia engloba as doenças 114 alérgicas, as doenças autoimunes, as doenças autoinflamatórias e as imunodeficiências. São pacientes que, por razões genéticas, têm suscetibilidade à infecção, falta a defesa, suscetibilidade ao câncer, falta defesa contra o câncer, tem desregulação imunológica, ou seja, falta a regulação. Quando falta regulação, o paciente pode ter doenças alérgicas graves, doenças autoimunes graves e doenças autoinflamatórias graves. Então, especificamente a área em que eu atuo é a área de imunodeficiências primárias, hoje entendida como erros inatos da imunidade, na esteira dos erros inatos do metabolismo, o teste do pezinho, triagem neonatal, doenças raras. Incidência mais ou menos 1 para 10 mil, ou seja, ela preenche o quesito de doença rara.
Qual a maior dificuldade em fazer pesquisa?
Antonio Condino Neto — Fazer pesquisa não é prestar serviço. A gente está aqui para inovar. E quando você vai inovar, pesquisa de verdade, você não sabe o que vai acontecer. Não é aquele show de mágica que a gente aprendeu na escola, que você vai fazer pH alcalino ficar roxo, pH ácido ficar amarelo, aquilo lá você já sabe o que vai acontecer. Isso não é ciência. Quando a gente começa um projeto, a gente só sabe o que vai acontecer no final. E vou conseguir visualizar os resultados com base naquilo que eu conheço, na minha capacidade de análise e de ousadia de pesquisador de procurar enxergar elos.
Além do motociclismo, quais são suas outras paixões?
Antonio Condino Neto — Adoro ouvir e tocar piano, apesar da falta de tempo para estudar e praticar mais. Adoro cozinhar, particularmente a culinária italiana. Adoro viajar e explorar novos continentes, aprender novas culturas e novas línguas: eu me viro em inglês, espanhol, italiano e tenho alemão e francês básicos. Adoro cinema: ficção científica e filmes de espionagem.
Por Rede Galápagos
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