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Médicos preceptores, residentes e pesquisadores do Sabará Hospital Infantil e do Instituto PENSI durante a expedição, no Ceará, aprofundando o vínculo com as famílias já atendidas pelo projeto Telessaúde Nordeste e com outras que conheceram agora. Fotos: Mariana Pimentel/SAS Brasil
O Instituto PENSI deu um passo além em sua missão de levar saúde infantil a regiões carentes ao participar da Expedição Sertões Kitesurf 2024, no Ceará. Realizada em parceria com a SAS Brasil (Saúde, Alegria e Sustentabilidade), a iniciativa uniu o atendimento presencial ao trabalho desenvolvido por telemedicina, consolidando a presença do projeto Telessaúde Nordeste nos municípios de Acaraú e Cruz, distantes, respectivamente, 238 e 246 quilômetros de Fortaleza. A expedição proporcionou experiências transformadoras tanto para as famílias atendidas quanto para os médicos residentes e preceptores envolvidos. “Essa expedição é um símbolo de como a união de esforços pode gerar impactos profundos, tanto no cuidado imediato quanto na criação de um futuro mais justo e equitativo para nossas crianças, além de formar novos pediatras com um olhar mais sensível para as questões sociais que impactam a saúde.”, afirma a dra. Fátima Fernandes, diretora executiva do Instituto PENSI.
A linha de cuidado materno infantil da SAS Brasil já vem acompanhando gestantes e crianças de até dois anos de forma presencial e remota. A partir do segundo semestre de 2024 o projeto Telessaúde Nordeste do Instituto PENSI passou a integrar as ações da SAS Brasil.
“Uma das nossas missões é levar saúde especializada de forma remota e/ou presencial para populações que precisam, impactando diretamente na fila de espera por especialidades médicas“ diz Dra. Flávia Calanca, coordenadora da área de pediatria da SAS Brasil. Juntamente com ela, a nutricionista Juliana Nabarrete, que coordena a linha de cuidado, complementa como a parceria agrega à iniciativa novas possibilidades: “Contar com a equipe do Instituto PENSI na linha de cuidado Materno Infantil da SAS Brasil trouxe novas possibilidades para o acesso à saúde especializada na região”.
A nutricionista ainda completa ressaltando o impacto que é levar o profissional de saúde da tela para a terra. “Sabemos que a telessaúde é muito eficaz, mas trazer os profissionais para o campo, para que eles conheçam a nossa estrutura, e a realidade de cada paciente, permite que eles vejam de perto o impacto que o cuidado deles tem na vida dos pacientes”, disse a coordenadora diretamente do Ceará.
A experiência presencial trouxe aos médicos preceptores, residentes e pesquisadores do Sabará Hospital Infantil e do Instituto PENSI a oportunidade de ampliar o alcance e aprofundar o vínculo com as famílias que já atendem pela telessaúde. Durante os dias no Ceará, as equipes atenderam 171 crianças e 4 gestantes, sendo que 91 dos pacientes já eram acompanhados pela telemedicina. “Foi uma experiência única para nossas equipes estar frente a frente com essas famílias, entender suas realidades e reforçar que estamos presentes, mesmo à distância. Isso fortalece a confiança e humaniza ainda mais o atendimento”, destaca a dra. Fátima. A equipe do PENSI nessa missão foi composta de 11 pessoas: três pediatras preceptores, cinco residentes de pediatria, uma pediatra ex-residente do PENSI, um pesquisador (geoprocessamento, big data) e a gerente de projetos sociais.
A expedição revelou histórias emocionantes, como a da menina de quatro anos diagnosticada com obesidade grau 3 e alterações metabólicas. Essa criança foi identificada pela equipe durante os atendimentos em Acaraú. “Percebemos de imediato a gravidade do caso. Além da obesidade, ela apresentava dificuldades para caminhar devido a alterações ósseas. Conseguimos encaminhá-la para o Hospital Albert Sabin, em Fortaleza, onde ela iniciou um tratamento que pode mudar o curso de sua vida”, explica a dra. Luciana Izar, endocrinologista pediátrica e uma das preceptoras que participaram da expedição.
Além desse caso, a equipe enfrentou desafios como o diagnóstico de puberdade precoce em crianças que aguardavam atendimento havia mais de um ano e a triagem de uma mãe aflita, que suspeitava que sua filha tivesse transtorno do espectro autista. Segundo a dra. Regina Harue Yada Leite, pediatra especializada em emergências médicas, “cada consulta foi uma oportunidade de transformar vidas, mesmo em situações em que os recursos eram extremamente limitados. Essa experiência reforçou a importância da atenção integral e do trabalho em equipe”.
Um dos aspectos mais marcantes da expedição foi o aprendizado proporcionado aos residentes do programa de residência médica do Instituto PENSI. Sob a supervisão dos preceptores, os jovens médicos enfrentaram desafios que exigiram criatividade, resiliência e um olhar atento para a realidade local. “Trabalhar em uma região tão diferente da estrutura que temos no Sabará Hospital Infantil foi um choque para alguns, mas um choque necessário. Eles voltaram com uma visão muito mais ampla do que é ser médico no Brasil”, afirma a dra. Regina.
A experiência prática incluiu desde a triagem de pacientes até o manejo de casos complexos. “Essas situações ampliam a percepção dos residentes sobre a importância de enxergar o paciente como um todo, considerando não apenas os sintomas, mas todo o contexto social, ambiental e familiar”, pontua a dra. Luciana.
Os relatos dos residentes também reforçam o impacto da expedição em sua formação. “Foi um aprendizado enriquecedor em todos os sentidos. Ver de perto a realidade dessas famílias e contribuir para melhorar a vida delas nos faz repensar nossas prioridades como médicos”, comentou Lívia Grassia Halak, residente que participou da missão.
A expedição abriu caminho para avanços no campo da pesquisa em saúde infantil. William Cabral, cientista de dados do PENSI, desempenhou um papel essencial ao organizar e sistematizar os dados coletados durante a expedição, criando possibilidades para projetos de grande impacto. Entre as frentes que podem ser exploradas estão a análise da taxa de incidência de transtorno do espectro autista (TEA) nos municípios atendidos, o monitoramento de gestantes e recém-nascidos por meio de indicadores de saúde, a criação de um sistema para rastreamento de violência infantil em parceria com municípios de diferentes regiões do Brasil e o desenvolvimento de uma plataforma digital para gerenciamento de histórico vacinal. “Estamos construindo um ambiente de dados que pode se tornar referência em saúde infantil no país”, afirma William.
A pesquisa desenvolvida pela professora Lígia Vizeu Barrozo, da USP, no Laboratório de Violência, Vulnerabilidade e Saúde Humana (LVVSH), trabalha com dados do município de São Paulo para mapear áreas de subnotificação de violência contra crianças e adolescentes. Em 2022, 30,8% das notificações de violência na capital paulista envolveram vítimas de 0 a 19 anos, sendo 70,2% contra meninas. O estudo utiliza algoritmos e modelagem espacial para identificar “hot spots” de violência, permitindo intervenções mais precisas e rápidas.
Inspirado nesses resultados, William está desenvolvendo iniciativas para replicar esse modelo com dados do Sabará Hospital Infantil e, com a parceria com a SAS Brasil, a ideia é expandir o mapeamento para as localidades atendidas pela linha de cuidado Materno-Infantil, no Ceará. “Essa expansão permitirá criar um panorama mais abrangente e estratégico da violência infantil, integrando diferentes realidades regionais a uma abordagem unificada”, ressalta a dra. Fátima Fernandes. Para ela, o trabalho de William demonstra o potencial transformador da integração entre dados e assistência. “A coleta e o uso qualificado de informações, especialmente em locais com realidades tão diversas, nos permitem criar estratégias mais eficazes para melhorar a saúde infantil em várias frentes”, ressalta. “Cada indicador mapeado representa uma oportunidade de entender melhor o cenário e, com isso, ampliar as possibilidades de ação.”
William destaca o diferencial de trabalhar com dados primários coletados diretamente dos pacientes durante a expedição. “É um universo de pesquisa que vai muito além do que se tem consolidado hoje no Brasil. A saúde infantil, por abarcar uma faixa etária vulnerável, exige um repositório robusto e específico, algo que estamos estruturando no PENSI”, explicou. Ele enfatizou ainda como a interação com as equipes no campo, incluindo residentes e preceptores, enriqueceu a perspectiva dos dados: “Com informações mais detalhadas, podemos perceber o impacto direto da assistência e da telemedicina em populações diversas, algo que amplia nossas possibilidades de estudo e inovação científica.”
A parceria entre o PENSI e a SAS Brasil, iniciada com o projeto Telessaúde Nordeste, é um exemplo de como o terceiro setor pode inovar para atender demandas urgentes. A dra. Fátima ressalta que essa união já demonstrou resultados concretos. “Nosso trabalho em conjunto tem permitido não só atender, mas acompanhar esses pacientes. É isso que diferencia essa iniciativa: a continuidade do cuidado, que muitas vezes é rara em ações desse tipo.”
Uma jornada que continuará a inspirar
A dra. Fátima conclui que a Expedição Sertões Kitesurf é apenas o início de uma trajetória que promete expandir ainda mais o alcance do Instituto PENSI e fortalecer parcerias transformadoras. “Nosso compromisso é com a continuidade e com a ampliação desse projeto. Cada passo dado em direção a essas comunidades nos aproxima de um futuro mais humano e equitativo.”
Conheça mais detalhes sobre a expedição na matéria em que duas preceptoras falam sobre desafios enfrentados nos atendimentos [aqui] e nos relatos de médicas residentes que vivenciaram um aprendizado único em meio aos desafios do campo [aqui].
Por Rede Galápagos
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