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Referência internacional por seu programa de vacinação, o Brasil vive desde 2016 uma situação de queda nas coberturas vacinais. Isso facilitou o retorno ao país de doenças como o sarampo – que havia sido erradicado – e pode levar até mesmo à volta da poliomielite.
Em 2019, pela primeira vez na série histórica, nenhuma das vacinas oferecidas pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações) para crianças com até 1 ano chegou aos patamares desejados de cobertura em todo país. Entre os municípios, a meta também não vem sendo batida, o que abre espaço para a criação de bolsões de pessoas suscetíveis às doenças.
Um exemplo disso foi o surto de febre amarela silvestre que reemergiu no Brasil a partir de 2016, inicialmente em Minas Gerais e depois em quase todos os outros Estados do país, sobretudo Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Naquele período, foram registrados 779 casos humanos da doença. Até então, de 1998 (início da série histórica) até 2016 (ou seja, um intervalo de 18 anos), haviam sido contabilizados 428 casos. Entre 2017 e 2018, o número chegou a 1.376.
No caso do sarampo, o Brasil voltou a conviver com a doença em 2018, dois anos depois de ter recebido da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) o certificado de erradicação. Naquele ano, foram contabilizados 10.326 casos em 11 Estados, a maior parte no Amazonas (9.803). Em 2019, o surto foi ainda maior (20.901 casos, dos quais 85,2% em São Paulo), tendo caído para cerca de 8,4 mil registros em 2020.
Retrocesso
Com a pandemia de Covid-19, o cenário é ainda mais preocupante. A sobrecarga temporária no sistema de saúde e o compreensível medo de exposição ao vírus afastaram as pessoas dos postos de vacinação. Dados preliminares apresentados em dezembro de 2020, durante o 2º Fórum de Políticas Públicas em Saúde na Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, davam conta de que – entre as vacinas disponíveis para crianças com até 1 ano completo – a taxa de imunização ficou bem abaixo do esperado.
Os melhores resultados alcançados foram das vacinas pneumocócica 10-valente (71,94%) e a primeira dose da tríplice viral (70,64%). Já as piores foram a febre amarela (50,11%) e hepatite B para crianças com até 30 dias (50,11%). No caso da dTpa (tríplice bacteriana acelular do tipo adulto) para gestantes, que protege não só a saúde da mãe, mas também do futuro bebê, a cobertura foi de apenas 41,7%, cerca de 20% a menos do que em 2019.
Falta de percepção ao risco
Dentre os fatores apontados como causas para o retrocesso nas taxas de imunização, está o próprio sucesso em si das vacinas. Com a erradicação de enfermidades como o sarampo e a poliomielite, as pessoas deixam de sentir as sequelas destas doenças e, por consequência, passam a achar que o cuidado não é mais tão necessário.
Soma-se a isso a redução de investimentos no SUS (Sistema Único de Saúde) e no próprio PNI, que em 2020 teve um orçamento para a compra de imunobiológicos 7% inferior ao de 2019 – uma diferença de R$ 400 milhões.
E, para completar o quadro, estamos vivendo uma disseminação cada vez maior de notícias falsas, as chamadas fake news, principalmente nas redes sociais. Em 2019, a própria OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou que a “hesitação” das pessoas em se vacinar era uma das principais ameaças à saúde a ser combatida.
No mesmo ano, estudo realizado pela Avaaz e a SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) indicou, entre outros pontos, que cerca de sete a cada dez brasileiros (67%) acreditam em ao menos uma mensagem imprecisa sobre vacinação.
Comparado a outros países, o patamar de desconfiança do brasileiro em relação às vacinas ainda é relativamente baixo, mas o seu crescimento faz acender uma luz vermelha em torno do combate à desinformação.