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A conjuntivite neonatal ou oftalmia neonatal é definida como uma conjuntivite purulenta do recém-nascido, que ocorre nas primeiras quatro semanas de vida (28 dias). Geralmente, é causada por bactérias (principalmente Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis), adquiridas durante o nascimento, pelo contato com secreções genitais maternas contaminadas.
A profilaxia para conjuntivite ou oftalmia neonatal gonocócica, a instilação ocular do nitrato de prata a 1%, foi instituída em 1881 pelo obstetra alemão Carls Sigmung Franz Credé, considerada uma das medidas preventivas mais importantes instituídas no século XIX, que resultou em uma redução significativa dos casos de conjuntivite neonatal.
No Brasil, desde 1977, é obrigatória a aplicação de uma solução de nitrato de prata a 1% nos olhos do recém-nascido até uma hora após o nascimento. Essa prática é conhecida como método de Credé e foi regulamentada pelo Decreto-Lei 9.713, que posteriormente foi complementado pelo Decreto-Lei 19.941/1982.
O objetivo é prevenir a infecção conjuntival neonatal gonocócica, que é causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae (gonococo), que pode ser transmitida durante o parto pela mãe infectada, especialmente por contato vaginal.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2001 evidenciam que a infecção genital por Chlamydia trachomatis é a Infecção Sexualmente Transmissível (IST) bacteriana mais comum em todo o mundo, tanto em países de renda média (incidência de 5 a 50/1.000 nascidos vivos), como em países de renda alta (incidência de 5 a 60 por 1.000 nascidos vivos).
No Brasil, estudos realizados em algumas capitais, como Manaus, Fortaleza, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, evidenciaram prevalência elevada de infecção por C. trachomatis e N. gonorrhoeae entre 3.303 gestantes avaliadas, com cifras em torno de 9,4% e 1,5% respectivamente, sendo 10% das mulheres com coinfecção para ambos os microrganismos.
Nos Estados Unidos, a taxa de oftalmia gonocócica neonatal foi estimada em 0,4 casos por 100 mil nascidos vivos por ano de 2013 a 2017. A prevenção contínua sendo importante devido ao elevado risco de complicações, como perfuração da córnea, cicatrizes e cegueira.
Na ausência de profilaxia ocular, as taxas de transmissão da infecção gonocócica da mãe para o recém-nascido são de 30% a 50%. O único medicamento disponível aprovado pela Food and Drug Administration dos EUA para a prevenção da oftalmia neonatal gonocócica é a pomada oftálmica de eritromicina a 0,5%. Atualmente, não se sabe se a Neisseria gonorrhoeae desenvolveu resistência à pomada de eritromicina nos Estados Unidos. No entanto, dada a maior resistência antimicrobiana observada em outros países, mais pesquisas são necessárias para encontrar alternativas seguras e eficazes à eritromicina.
Nos últimos anos, a necessidade da utilização de medicamentos para a prevenção da conjuntivite neonatal tem sido questionada em países de renda alta, devido ao elevado nível de assistência pré-natal e acesso aos testes rápidos de diagnóstico durante as visitas no pré-natal.
Embora no Brasil não existam dados oficiais sobre a ocorrência de conjuntivite neonatal, alguns trabalhos recentes comprovam a elevada prevalência da infecção genital por Chamydia trachomatis em mulheres de idade fértil e em gestantes, em sua grande maioria assintomática, com razoável prevalência de N. gonorrhoeae.
Recentemente, a US Preventive Services Task Force (USPSTF) atualizou as recomendações com foco na prevenção da transmissão vertical da N. gonorrhoeae. Tal publicação reafirma a posição da US Preventive Services Task Force de 2011 sobre a recomendação da profilaxia da conjuntivite gonocócica.
O Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) enfatiza a necessidade do método de Credé e endossa as recomendações medicamentosas do Ministério da Saúde, até que evidências de potencialmente melhores práticas clínicas estejam disponíveis.
Atualmente, as recomendações do Ministério da Saúde são: o uso da povidona a 2,5% (colírio) considerando sua menor toxicidade em relação ao nitrato de prata a 1%; a utilização da pomada de eritromicina a 0,5% e, como alternativa, tetraciclina a 1% para realização da profilaxia da oftalmia neonatal. A utilização de nitrato de prata a 1% deve ser reservada apenas em caso de não se dispor de eritromicina ou tetraciclina, ainda que o ideal seja a formulação em colírios.
Referências:
– Departamento Científico de Neonatologia – Sociedade Brasileira de Pediatria. Profilaxia da Oftalmia Neonatal por Transmissão Vertical. Nº 9, Dezembro de 2020
– US Preventive Services Task Force. Ocular prophylaxis for gonococcal ophthalmia neonatorum: US Preventive Services Task Force reaffirmation recommendation statement. JAMA. 2019; 321-94.
https://jamanetwork.com/journals/jama/article-abstract/2722778
– Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Saúde Ocular na Infância: detecção e intervenção precoce para prevenção de deficiências visuais / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília/DF: Ministério da Saúde, 2013.
Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/piblicacoes/diretrizes_atencao_saude_ocular_ infancia.pdf
– Ministério da Saúde (Brasil). Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. Brasília/DF, 2014
Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_v1.pdf
– Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal. [Internet] Brasília: Ministério da Saúde; 2017.
Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf