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No final de agosto, estive pela primeira vez em Roraima, um dos poucos Estados brasileiros que não conhecia. Visitar Boa Vista foi uma agradável surpresa e superou todas as minhas expectativas.
Numa viagem de campo planejada pelo Infinis, braço de advocacy da Fundação José Luiz Setúbal, e Unicef, nosso parceiro de projetos sociais na Região Norte do Brasil, pude conhecer um pouco mais sobre e a realidade in loco dos problemas que a imigração e o garimpo trazem para a região.
Foi muito impressionante para mim a visita ao Hospital da Criança Santo Antônio. Muito bem organizado depois de ter passado por projeto de Reestruturação de Hospitais Públicos (RHP), desenvolvido em parceria com o Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), do Proadi-SUS. Já havia passado por um processo semelhante inicial do Hospital Sírio Libanês. A grande maioria do público atendido é de origem indígena, assim como a população de Roraima, onde cerca de 43% é de povos originários.
Muito curioso ver enfermarias com redes, berços onde as mães constroem pequenas redes com os lençóis e outras adaptações que são necessárias, como tradutores para as diversas etnias e as adaptações das dietas – não só para os indígenas, mas também para os imigrantes da Venezuela, Suriname e, nos últimos meses, de Cuba. É sempre uma lição de vida conhecer a diversidade do Brasil e reconhecer o que os profissionais do SUS fazem com os parcos recursos que recebem.
Outra agenda marcante foi a Roda de Conversa com jovens lideranças indígenas, onde conversaríamos sobre as potencialidades e desafios da juventude indígena. No caso, a conversa girou em torno do tema Saúde Mental. Fiquei muito impressionado com a desenvoltura dos jovens líderes, e principalmente me tocaram muito as problemáticas trazidas por eles. Não havia grande diferença entre o que eles falavam e os jovens de São Paulo, Rio de Janeiro, talvez de Nova York, Paris, Sidney, Cidade do Cabo, Londres ou Beijing.
Ansiedade, depressão, pressão dos pais para o sucesso, violência doméstica, alcoolismo, drogas, telas, falta de perspectivas. Achei muito interessante que esses jovens tinham feito um encontro para discutir a Saúde Mental entre os povos indígenas esse ano, estão planejando um novo encontro em fevereiro do ano que vem e gostariam da ajuda de nossa Fundação para concretizar estes planos. Pedido que me comprometi a ajudar pela importância do assunto e por este ser um dos eixos de atuação da FJLS.
Outras visitas importantes e interessantes foram ao Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DISEI) e ao Casai e Caicyy. O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) é a unidade gestora descentralizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). Já a CASAI é o estabelecimento responsável pelo apoio, pelo acolhimento e pela assistência aos indígenas referenciados à Rede de Serviços do SUS para realização de ações complementares de atenção básica e de atenção especializada.
Foi muito interessante conversar com as lideranças desses locais e entender na prática com funciona a Saúde Indígena, que é uma secretaria do SUS. O que sabemos na teoria é bem distante e diferente na prática. A visita ao CASAI foi muito impressionante.
Também tivemos a oportunidade de estar com o prefeito de Boa Vista e com representantes das secretarias da Educação e Saúde do Estado de Roraima para conversar sobre cobertura vacinal, insegurança alimentar, violência contra crianças, primeira infância, saúde escolar. Todas as conversas muito interessantes e produtivas. A realidade dos estados da Região Norte é perversa, com municípios esparsos, distâncias enormes entre eles, parcos recursos, problemas de logística muito difíceis e, em Roraima, existe o problema da imigração venezuelana.
A última parte da visita foi muito especial. Há cerca de 4 anos li o livro “A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami”, do antropólogo francês Bruce Albert entrevistando Davi Kopenawa, o xamã Yanomami, que me tocou muito pela sua visão sobre a preservação da Natureza sob o olhar dos povos indígenas da Amazônia.
“Estamos apreensivos, para além de nossa própria vida, com a da terra inteira, que corre risco de entrar em caos. Os brancos não temem, como nós, ser esmagados pela queda do céu. Mas um dia talvez tenham tanto medo disso quanto nós!”
Estivemos com ele, o Mateus e a Maia, de sua equipe, por mais de duas horas. Foi uma conversa sobre a problemática da saúde. Como ele disse, eu sou um médico branco que usa os meus saberes e ele é um xamã yanomami que usa os saberes dele, mas a finalidade é a mesma: a cura. Ele fala do planeta muito doente e da necessidade de todos que moram nele atuarem para cicatrizar as feridas e sarar as doenças das florestas, dos rios, do ar, enfim, da “Mãe Terra”. Foi uma conversa muito especial e de onde saímos todos iluminados e com muita vontade de realizar alguma parceria entre a nossa Fundação e a Hutukara Associação Yanomami, organização liderada por ele.
Termino esse relato dizendo que é sempre muito bom visitar os rincões do Brasil e ter a oportunidade de ver nossa diversidade, nossa capacidade de nos adaptar às dificuldades, de inovar e a nossa criatividade para buscar soluções. Temos muitos problemas, temos muitas desigualdades e, sobretudo, temos muito trabalho para tornar nosso país um lugar melhor para nossas crianças. Mas volto com mais esperança de que temos chance de conseguir isso.
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