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Me gustaría ser valiente. Mi dentista asegura que no lo soy.
Jorge Luis Borges
Borges é um dos maiores escritores e poetas da literatura mundial. E ele tinha medo de dentista. Ele e mais 30% da população, segundo uma pesquisa da Associação Americana de Odontologia. Eu acho que é muito mais, a população mundial padece desse mal e parece que isso só tende a aumentar, porque o acesso aos consultórios também tem aumentado e também tem muita gente que não conta a verdade para não ficar mal na fita.
Vocês sabem que sou odontopediatra e especialista em odontologia para pacientes com necessidades especiais (que incluem crianças e adultos, bebês e idosos, mesmo porque os “especiais” não são selecionados pela idade). Talvez não saibam, mas também sou especialista em Implantodontia e até por minha atividade hospitalar faço muita cirurgia odontológica, e por isso minha clínica não é direcionada apenas às crianças. Atendo muitos adultos, e sabe quem são muitos dos meus pacientes? Pais das crianças que atendo. Um dentre vários motivos que atendo adultos é porque, por cuidar das crianças, os pais adquirem confiança e me procuram. Alguns com histórias incríveis, com terços na mão e suores diurnos.
Síndrome do pânico, odontofobias, aicmofobia (que é o medo de agulhas e objetos cortantes), medo do motorzinho, hemofobia (medo de sangue) e tomofobia (medo de cirurgias), quer dizer, não faltam medos para justificar a fuga da cadeira do dentista. Obviamente por questões éticas não vou ficar descrevendo as agruras de cada paciente ao sentar na cadeira do dentista, mas de maneira geral isso acontece por algum trauma em tempos passados, ou por absoluta falta de informação e comunicação entre o profissional e o paciente.
Não pense você aí, que é corajoso e vai ao dentista confiante e sem medo, que a situação é cômoda. Infelizmente, o histórico de fobias no consultório do dentista causa transtornos para o profissional e principalmente para o paciente. Imaginem uma cárie pequena não tratada que evolui para um tratamento de canal e posteriormente para uma extração. Imaginem isso para vários dentes, imaginem para todos os dentes. Sim, já recebi pacientes nessas condições. É triste, para não dizer terrível. Um tratamento mal conduzido pode levar a essa situação, e a culpa pode não ser apenas do paciente.
Vou contar uma história pessoal de quando era criança. Lembro-me de que minha mãe me levava a um dentista perto de casa e que tinha uma psicologia da profundidade de um pires, ou seja, nada de psicologia. Lembro até que nas conversas com minha mãe ele era super-simpático, mas na hora que ia me tratar era um suplício. Sim, já morri de medo de dentista também. Também me lembro que uma vez quando soube que teria que ir naquele carniceiro, ops, desculpem-me, naquele dentista, fugi da minha mãe e taca meus irmãos mais velhos correndo atrás de mim na rua para me pegar, era assustador. Teria ficado traumatizado e muito provavelmente não estaria aqui contando meus dissabores para vocês. Mas minha mãe, santa que era, entendeu minha aflição e mudou meu dentista. Fui tratar com o Dr. Joaquim, lá em Alfenas, onde me formei, e ele, em poucas consultas, me conquistou. Nossa, era um outro mundo. Isso lá pelos meus dez anos de idade. Nunca mais tive problemas com dentista, e acabou dando no que deu, virei um.
Não sei se até por isso dediquei minha atenção às crianças, porque, na maioria das vezes, o problema se inicia lá na infância, quando você ainda não entende nada e cai na mão de um profissional não habilitado. Claro que perdôo minha mãe, naqueles tempos encontrar um odontopediatra era quase impossível. Mas isso mudou e para muito melhor. Hoje existem ótimos profissionais, muitos deles com uma atenção diferenciada para crianças, e mesmo para adultos traumatizados. Em resumo, posso dizer que esse negócio de medo de dentista é, ou deveria ser, coisa do passado. Só que não. O estigma ainda é grande e perdura na população.
Por isso, caro leitor do Blog Saúde Infantil, quando falamos de saúde bucal infantil, a participação dos pais é fundamental. Não deixem que suas crianças cresçam com essa mácula no coração, se seu passado no dentista não foi feliz. Procure um bom profissional, informe suas preocupações, se as tiver, mas não deixe que o dentista das crianças seja o vilão que não é.
O odontopediatra, ou aquele dentista que trabalha bem com crianças, não escolheu essa área da profissão porque vai se encher de dinheiro, ou porque criança é fácil, muito pelo contrário. Escolheu porque tem afinidade, gosta de pegar no colo aquele bebê, discute futebol com os moleques e se emociona com a delicadeza das princesas. Mais do que tudo, adora ver crianças sorrirem.
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Por Dr. José Reynaldo Figueiredo, especialista em Odontopediatria, Odontologia para pacientes com necessidades especiais, Implantodontia e Habilitação em Odontologia Hospitalar e Laserterapia.
Atualizado em 6 de agosto de 2024