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Sabará e PENSI produzem ciência sobre terapia intensiva
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Sabará e PENSI produzem ciência sobre terapia intensiva

Sabará e PENSI produzem ciência sobre terapia intensiva

11/04/2022
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Atuação conjunta da UTI pediátrica com o centro de pesquisas do instituto é exemplo de convergência entre prática clínica e estudos científicos

 

Além de sua reconhecida excelência clínica, a UTI do Sabará Hospital Infantil avança na produção científica em parceria com o Instituto PENSI. “O PENSI nos ajuda muito e permeia todo o processo da pesquisa”, diz o intensivista Nelson Horigoshi, gerente da UTI e gestor de uma equipe de 70 médicos. “Tanto a clínica quanto a pesquisa se beneficiam quando as duas se aproximam”, diz Fernanda Lima, gerente de pesquisa do PENSI. Essa sinergia já resulta numa série de trabalhos científicos que inclui a recente participação em um estudo mundial sobre ventilação mecânica, entre outros. Nesta entrevista, Horigoshi fala sobre a importância de aproximar a clínica e a pesquisa, relata os desafios para fazer essa aproximação e conta sobre os frutos que já surgem dessa atuação conjunta, entre eles o constante treinamento e atualização das equipes clínicas, a partir da adequação aos protocolos dos trabalhos científicos.

O médico intensivista Nelson Horigoshi, gerente da UTI do Sabará Hospital Infantil: “Com o apoio da fundação e do PENSI, o hospital ganhou visibilidade e passou também a atrair a atenção da indústria farmacêutica e de cientistas que procuravam centros brasileiros para fazer pesquisas”. Foto: Instituto PENSI

 

Notícias da Saúde Infantil — O senhor tem uma história de quatro décadas como clínico, salvando muitas vidas, na UTI do Sabará Hospital Infantil. Mais recentemente, destaca-se também como um profissional dedicado à ciência. Como foi que o senhor entrou nessa área de pesquisa?

Nelson Horigoshi — No começo da profissão, quando decidi fazer a terapia intensiva do ponto de vista da prática clínica, eu me afastei da academia e das universidades. Mas sempre gostei muito de estudar e pensava, nos espelhando nos modelos americanos, que deveríamos fazer pesquisa, pesquisa clínica, ciência, no ambiente privado. Eu tinha uma dificuldade pessoal de trabalhar na área pública, porque é muito complicada a vida profissional naquele esquema em que ora tem dinheiro, ora não tem; ora o equipamento está quebrado, ora falta alguma coisa de que você precisa. Eu tinha esse sonho de fazer pesquisa. Mas era muito difícil, porque a área privada, em geral, não estava preocupada com isso. O Sabará também foi assim, até alguns anos atrás. Mas houve uma mudança. Acho que a criação do Instituto PENSI foi fundamental para começarmos a falar em fazer pesquisa no hospital. Crescendo como cresceu — junto com a Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLES) e o apoio do PENSI —, o hospital ganhou visibilidade e passou a atrair a atenção da indústria farmacêutica e de cientistas que procuravam centros brasileiros para fazer pesquisas. Há alguns anos iniciamos esses trabalhos, que em geral estão indo muito bem e acabam sendo publicados. Isso vai formando uma espiral, no sentido de uma progressão cada vez maior.

 

“O foco do clínico é no resultado. E o do pesquisador, no processo. Trabalhar nos dois mundos nem sempre é muito fácil. Mas estamos evoluindo.”

 

Notícias da Saúde Infantil — Quais são as principais características das abordagens do clínico e do pesquisador? Como essas abordagens se conectam e se retroalimentam?

Nelson Horigoshi  — A parte assistencial da atividade da medicina visa muito o desfecho, o resultado. Nós queremos tratar uma criança que está doente, curá-la de alguma doença e resolver o problema que ela tem, se possível totalmente, e devolvê-la para a família, para a sociedade. Esse é o objetivo principal de quem está com o estetoscópio na mão. Eu fiz isso durante muitos anos. O foco é no resultado. Já quem faz a pesquisa clínica tem um foco diferente. É lógico que o resultado também é importante, mas o foco no cuidado com o processo é muito maior. Há protocolos que devem ser seguidos rigorosamente, não se pode falhar, não pode haver nenhum tipo de esquecimento. Quem atua em pesquisa clínica está sempre pensando se essa criança pode ou não ser incluída no trabalho. São pesquisas muito focadas. Entre as centenas de crianças que são internadas, apenas algumas são elegíveis dentro dos critérios. Quando encontramos a criança, ao mesmo tempo que o clínico está preocupado em cuidar, fazer sarar, quem está fazendo a pesquisa se ocupa com a papelada e se assegura de que serão observados os tempos corretos de fazer tudo, porque não se pode falhar, o rigor científico exige isso. Trabalhar nos dois mundos nem sempre é muito fácil. Mas estamos evoluindo.

Notícias da Saúde Infantil — Qual é a importância da colaboração entre as equipes do Sabará e as do PENSI para unir esforços entre o trabalho clínico e a pesquisa?

Nelson Horigoshi  — O PENSI nos ajuda muito nas pesquisas clínicas, pois ao decidir que uma criança preenche um critério para um determinado trabalho passam a vigorar certas regras. Por exemplo, posso ter de fazer uma randomização e ver em que parte do trabalho essa criança pode entrar, se é no grupo controle ou no grupo de teste do medicamento… A preocupação do médico clínico é tratar essa criança da melhor forma possível. Agora, se a criança for incluída num trabalho, pode ser que para um paciente tenhamos de dar o tratamento tradicional e para outro uma medicação inovadora. E, muitas vezes, as pessoas não podem saber o que é, não podem saber se é ou não o medicamento novo, tudo tem que ser perfeitamente igual, sem nenhum tipo de viés que favoreça um resultado ou outro. Isso o médico clínico não está acostumado a fazer, e é aí que o pessoal do PENSI nos ajuda muito. Então, quando chega uma criança que é candidata, um potencial caso para entrar no trabalho, o PENSI é acionado. O pessoal do PENSI nos ajuda desde a documentar o que está sendo feito até a avaliar se estamos fazendo tudo corretamente. Têm uma participação ativa, pois é necessário ficar olhando o prontuário a toda hora. O PENSI nos ajuda no decorrer de todo o trabalho clínico, principalmente na parte operacional, com relatórios parciais e finais, permeando todo o processo.

 

“Participar da pesquisa sobre ventilação mecânica nos deu uma sensacional oportunidade de fazer treinamento dentro da UTI. Era algo que inicialmente não estava previsto e que depois se mostrou benéfico e útil para todos, inclusive para as crianças que não participaram do estudo.”

 

Notícias da Saúde Infantil — Nessa jornada de clínico e pesquisador, o que mais o ajudou? O que eventualmente o atrapalhou? E o que o senhor aprendeu?

Nelson Horigoshi — O que mais atrapalha é quando nos deparamos com algum tipo de dificuldade de organização, pois imagine que uma criança internada às duas da manhã pode ser elegível para a pesquisa, e às vezes não é possível esperar até as seis da manhã para decidir se ela vai participar ou não. Posso perder a chance de incluir uma criança. É necessário estarmos atentos o tempo todo; e deixar a equipe muito atenta também. A equipe precisa estar ciente de que esses trabalhos estão sendo feitos, de que nós estamos incluindo pacientes no momento. O médico que faz a assistência precisa nos avisar de um possível candidato; a primeira dica vem dele. É preciso ter uma conversa com a família e explicar para que serve o trabalho, quais são os seus riscos e benefícios. Deve haver um termo de consentimento, eventualmente um assentimento da própria criança — a depender de seu tamanho e idade —, para participar do estudo. Isso é feito de maneira totalmente transparente. Não pode haver dúvidas por parte da família, que tem direito a sair do trabalho, se ela quiser. São coisas que o médico clínico não faz habitualmente. Mas, ao entrar no trabalho, ele tem de seguir o protocolo. Todos temos de segui-lo pois é nele que encontramos todas as informações necessárias para tudo o que deve ser feito no desenvolvimento do trabalho. Por exemplo: data e horário de coleta e tipos de exames, anotações dos resultados, entre outros.

Há alguns anos participamos de uma pesquisa de abrangência mundial, com a participação de muitos países, que testava um medicamento para tratar infecções geradas por fungos, o que até hoje é um problema grave. Esse estudo esteve prestes a ser interrompido pois ficou cerca de 18 meses sem nenhuma inclusão de pacientes em todo o mundo. Após uma flexibilização do protocolo, solicitada pela indústria farmacêutica e aprovada pelos comitês de ética em pesquisa, o Sabará conseguiu incluir uma criança no estudo. Incluir esta criança no estudo, naquele momento, foi tão importante que o Sabará foi convidado a participar de uma reunião internacional dos investigadores para apresentar a experiência. Foi muito gratificante. O estudo pode enfim ser concluído e o artigo científico foi publicado.

Notícias da Saúde Infantil — A experiência de trabalhar também com a pesquisa científica trouxe mudanças para o setor clínico da UTI?

Nelson Horigoshi Trouxe sim. Primeiro porque nos vemos mais obrigados a seguir as normas e regras que nós mesmos estabelecemos. A pesquisa clínica é exigente e precisamos fazer isso, enquanto na prática clínica, o médico tem autonomia para escolher o tratamento que ele julga adequado sempre discutido entre a equipe assistencial. No caso do trabalho clínico o protocolo deve ser rigidamente seguido. Estamos participando de um outro trabalho, também mundial, sobre ventilação mecânica, com o uso do respirador para doenças pulmonares graves. A pesquisa, conhecida como Prospect, visa comprovar cientificamente de maneira definitiva algumas práticas consagradas e usadas no tratamento destes pacientes.

Essa pesquisa foi desenhada no Canadá e tem abrangência mundial. No Brasil, nós somos o único hospital participante. Quando nos convidaram, vimos que precisaríamos praticamente revisar todos os nossos protocolos de ventilação mecânica e treinar enfermagem, fisioterapeutas e médicos para aplicar o protocolo e assim participar do estudo, fazendo tudo exatamente do mesmo modo que todos os outros centros participantes o fazem. São treinamentos que às vezes englobam cerca de 70 médicos, 60 fisioterapeutas e 120 profissionais da enfermagem. É muito gratificante. Participar da pesquisa sobre ventilação mecânica nos deu uma sensacional oportunidade de fazer treinamento dentro da UTI. Era algo que inicialmente não estava previsto e que depois se mostrou benéfico e útil para todos, inclusive para as crianças que não participaram do estudo.

 

“Ao fazermos o tratamento de alguma doença, é importante não só que a criança melhore e eventualmente se cure disso, mas também medir quanto isso trouxe de valor em qualidade de vida para essa pessoa, principalmente depois da internação.”

 

Notícias da Saúde Infantil — Há um estudo em desenvolvimento sobre a jornada dos pacientes com bronquiolite. Em que estágio ele se encontra?

Nelson Horigoshi — Ainda está na fase do desenho. A bronquiolite acomete crianças pequenas até dois anos de idade. É a doença que mais provoca internação de crianças. Existe no mundo inteiro e, sobretudo nas zonas temperadas, ocorre sazonalmente no outono e no inverno. É muito comum aqui em São Paulo e nos estados da Região Sul. Estamos vivendo este período agora. Adotamos no Sabará o conceito da medicina baseada em valor, ou cuidado médico baseado em valor. Ao fazermos o tratamento de alguma doença, é importante não só que a criança melhore e eventualmente se cure disso, mas também medir quanto isso trouxe de valor em qualidade de vida para essa pessoa, principalmente depois da internação. Nosso foco aqui é o paciente de bronquiolite, mas essa mesma abordagem é aplicável em uma grande variedade de situações, como doenças e procedimentos. Então não basta que o tratamento tenha sucesso; é necessário que o paciente consiga retomar sua qualidade de vida. É o que nós chamamos de desfecho. Estamos numa fase do estudo em que procuramos encontrar quais são os desfechos que precisamos medir. Queremos liderar um grupo de estudos que possa trabalhar na construção de protocolos de tratamento e definição dos melhores desfechos para esta doença. Com o tempo, poderemos comparar tratamentos diferentes e os resultados conseguidos por inúmeras instituições de saúde.

Notícias da Saúde Infantil — Como serão processados os dados dessa pesquisa?

Nelson Horigoshi — Vamos utilizar um software chamado Red Cap, já padronizado pelo PENSI. Trata-se de uma ferramenta desenvolvida nos Estados Unidos que boa parte do mundo científico já usa para organizar suas bases de dados. Nela podemos incluir todas as informações necessárias e colhidas durante o estudo. É um banco de dados muito amigável para quem o utiliza, principalmente para o pessoal da área de saúde. É possível trabalhar com algumas integrações com o prontuário eletrônico da criança sem que os dados sigilosos e sensíveis sejam expostos. Vamos juntar dados provavelmente do Brasil inteiro, incluindo informações de centenas e, depois, de milhares de pacientes. O que pretendemos fazer é um estudo multicêntrico, isto é, incluindo vários centros de pesquisa.

Notícias da Saúde Infantil  — Antes da pandemia, o Sabará participava de um outro estudo multicêntrico com o Children’s Hospital of Philadelphia. Em que fase está a pesquisa?

Nelson Horigoshi — Em 2019 fui para os Estados Unidos, onde conheci o dr. Vinay Nadkarni, um dos maiores especialistas em reanimação cardiopulmonar do mundo. Ele é diretor médico e de pesquisa do Centro de Simulação, Educação Avançada e Inovação do Hospital Infantil da Filadélfia (Children’s Hospital of Philadelphia). A instituição desenvolve pesquisas nessa área e mantém o maior banco mundial de dados sobre reanimação em crianças, com a rede pediRES-Q (Pediatric Resuscitation Quality Collaborative), que conta com a participação de 62 países. A ideia era trazer para cá também. Mas em 2020 veio a pandemia, fiquei doente, com Covid-19, passei 40 dias internado, 20 deles na UTI, e dez meses fora de combate. Foi uma experiência de vida para mim, porque estava do outro lado da mesa. Bebi da mesma água, como se diz. Aí o projeto parou, mas agora estamos retomando. E já não se trata apenas de incluir o Sabará nesse estudo, mas de liderar a participação de um grupo de hospitais e centros de pesquisa brasileiros. Há algumas semanas o dr. Vinay esteve conosco em São Paulo, de passagem  para um simpósio em Salvador. Conseguimos reunir as lideranças de dez dos principais hospitais de São Paulo e — com a participação de mais umas 50 pessoas de todo o Brasil — fizemos o webinário “Os avanços em ressuscitação pediátrica”, promovido pelo PENSI, com participação do Children’s Hospital of Philadelphia e apresentação da rede pediRES-Q. O banco de dados já tem aproximadamente 2.500 crianças inscritas. Nenhum hospital brasileiro participa dessa rede. Mas em breve começaremos a enviar nossos casos para lá também e seremos provavelmente o principal centro investigador desse estudo aqui no Brasil.

 

TEXTO: Rede Galápagos

 

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