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Um alerta para a falta de cobertura vacinal contra várias doenças infecciosas no Brasil, a importância de reconhecer e prevenir a varíola dos macacos e os aprendizados da pandemia de covid-19 foram temas enfatizados pelo dr. Marco Aurélio Palazzi Sáfadi no Simpósio de Infectologia e Imunizações do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil. Coordenador da infectologia pediátrica do Sabará Hospital Infantil, professor adjunto e diretor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e presidente do Departamento de Infectologia da SBP, Sáfadi falou com Notícias da Saúde Infantil na entrevista a seguir.
Notícias da Saúde Infantil — A covid-19 fez mais vítimas no Brasil entre crianças e adolescentes do que em outros países. Quais os motivos para isso?
Marco Aurélio Sáfadi — Nossas taxas de mortalidade pela covid-19 na faixa etária de 0 a 19 anos foram das mais altas no mundo. Esses números também observamos em outras doenças infecciosas, como a bronquiolite. Eles expressam, na minha opinião, a iniquidade e a desigualdade do nosso país, que faz com que muitos não tenham acesso adequado a tratamentos médicos. Sabemos que muitas crianças morreram fora do ambiente hospitalar, não foram tratadas ou foram alvo de tratamentos equivocados, atrasando as oportunidades de cura. No Sabará Hospital Infantil não tivemos mortes por covid-19, mas essa não é a realidade do Brasil, que perdeu mais de 3 mil crianças e adolescentes. Nenhuma outra doença passível de prevenção por vacina motivou número igual de mortes aqui e, apesar disso, tivemos campanhas dizendo que era desnecessário vacinar as crianças. A mortalidade infantil por covid no Reino Unido é 10 ou 20 vezes menor do que no Brasil, por isso as estratégias de prevenção precisam ser diferentes de acordo com o país.
Notícias da Saúde Infantil — O senhor é presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo. Quais foram as principais missões encampadas durante a pandemia e neste pós-pandemia?
Marco Aurélio Sáfadi — Trabalhamos muito! Eu tenho 37 anos de formado e não me lembro de um período tão intenso, com poucas horas de sono e muitas no hospital, com os residentes, e investindo na geração de informação para os médicos. Fizemos dezenas de lives para esclarecer aspectos da doença, sobre como reconhecer síndrome inflamatória, a melhor maneira de tratar a covid em crianças e tudo que envolvia vacinas. Informamos a população leiga e demos consultoria para secretarias de Saúde e de Educação, recomendando a abertura das escolas. Aqui no estado de São Paulo essa reabertura foi bem-sucedida, servindo de exemplo para outros estados. Também escrevemos 15 artigos em revistas indexadas e revisadas por pares sobre diversos aspectos relacionados a doenças infectocontagiosas.
Notícias da Saúde Infantil — Em relação a essas doenças, quais são os perigos da diminuição da cobertura vacinal que experimentamos atualmente no Brasil?
Marco Aurélio Sáfadi — Vivemos uma situação paradoxal, pois as medidas de contingenciamento implementadas, como usar máscaras, fechar escolas e evitar aglomerações, contribuíram muito para reduzir doenças de transmissão respiratória. Nunca tivemos taxas tão baixas de incidência como entre 2020 e 2021. Mas, ao mesmo tempo, o cenário é preocupante porque as taxas de cobertura vacinal despencaram. Se antes doenças como as pneumonias e as meningites estavam sob controle, agora vemos surtos como este da Vila Formosa, em São Paulo. Ele não é viral, mas causado por bactéria, o meningococo, que leva ao tipo de meningite mais grave. Ela mata uma em cada cinco pessoas acometidas, e 20% dos curados têm algum tipo de sequela, seja neurológica, amputação de membros, visual ou auditiva. É uma doença imprevisível que acomete pessoas saudáveis e, apesar de ser rara, tem uma evolução dramática. Quem é vacinado tem uma proteção robusta, pois a vacina tem alta efetividade. Mas atualmente vivemos o risco de retorno de doenças já praticamente eliminadas, como a rubéola e a poliomielite. Não havia casos de sarampo por décadas e eles voltaram a aparecer em 2018, e desde então houve 40 mil infecções e 40 e poucas mortes no Brasil, a maioria em crianças. Para nenhuma dessas três doenças a nossa cobertura vacinal atingiu o número mágico, que é de 95% de forma homogênea. De fato, como estão, entre 50% e 70%, existe risco real de casos de paralisia infantil, o que seria desastroso.
Notícias da Saúde Infantil — O que é preciso fazer para proteger a população da varíola dos macacos? O que nos falta?
Marco Aurélio Sáfadi — É um dos temas que abordei no congresso, pois é uma doença nova, que não circulava de forma endêmica fora da África e hoje está em mais de 10 países, com 60 mil casos, mas até o momento apenas 20 mortes, ou seja, uma taxa baixíssima de letalidade. Como os sintomas estão diferentes do que quando o vírus estava apenas no continente africano, o momento epidemiológico sugere uma eventual mutação do vírus, o que ainda está em análise. Mais de 95% dos acometidos são homens (em especial homens que fazem sexo com homens), mas é importante que o pediatra tenha contato com as características da doença para reconhecer e prevenir nas crianças e nos próprios profissionais da saúde. O Ministério da Saúde fez uma compra limitada da vacina e do medicamento, ou seja, não podemos utilizá-lo salvo em situação de gravidade. Mas a morte por varíola dos macacos é bem rara; ocorre em pacientes com HIV ou imunodepressão.
Notícias da Saúde Infantil — Quais são os maiores desafios para a infectologia pediátrica e como vê essa área no futuro?
Marco Aurélio Sáfadi — A área ganhou muita relevância na pandemia, com reconhecimento dos médicos infectologistas e dos epidemiologistas. O desafio se dá por esse cenário em que a ciência precisa combater inverdades que se tornaram uma regra do mundo contemporâneo. As mídias sociais e as mentiras afetam a todos, e necessitamos recuperar a credibilidade por mecanismos que veiculem mensagens cercadas de evidências e dados confiáveis, que permitam que as informações integrem estratégias robustas de prevenção. A humanidade aumentou a expectativa de vida de 50 para 80 anos. Diminuíram muitas das doenças infecciosas, e o aprimoramento das condições de vida gerou maior longevidade. No futuro, a medicina continuará tendo um importante papel na melhoria da qualidade de vida.
Por Rede Galápagos
Foto: Agliberto Lima
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