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O dr. Jefferson Pedro Piva, integrante do Conselho Científico do Instituto PENSI, é professor titular de pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), chefe do Serviço de Emergência e Medicina Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e editor sênior do Pediatric Critical Care Journal, além de presidente da Academia Brasileira de Pediatria (ABP)
Uma longa história de presença ativa em associações como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) indica apenas parte do envolvimento do dr. Jefferson Pedro Piva nessas duas áreas-chave da medicina. O pediatra intensivista trouxe uma série de contribuições essenciais para o desenvolvimento da terapia intensiva pediátrica no Brasil, talvez a mais lembrada seja como autor da obra de referência Medicina intensiva em pediatria, lançada em 1985 ainda com o nome de Livro de terapia intensiva pediátrica, em conjunto com outros especialistas, como o dr. Pedro Celiny Garcia.
Convidado para integrar o Conselho Científico do Instituto PENSI, ele é o atual presidente da Academia Brasileira de Pediatria (ABP), onde tem como colegas a dra. Luciana Rodrigues Silva e o dr. José Luiz Setúbal. Quem está na ABP aconselha e assessora o Conselho Superior e a Diretoria da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), ou seja, o órgão conta com pessoas sábias, experientes e que fazem parte da história da pediatria no país. No caso do dr. Piva, a relevância na área ultrapassa fronteiras: desde 1998, ele é sócio fundador da organização e fundação da World Federation of Pediatric Intensive and Critical Care Societies (WFPICCS), junto com Geoffrey Barker (Canadá) e Katsuto Myiasaki (Japão).
“Costumo dizer aos meus alunos que é preciso estar preparado para tudo, que as oportunidades vão surgindo e também alguns caminhos inesperados — para mim foi tudo aparecendo. E meu envolvimento sempre me trouxe muita satisfação, me sinto realizado”, relata o dr. Piva, que teve o privilégio de se dedicar à pesquisa científica na PUC-RS e na UFRGS. Ele faz questão de ressaltar que há 45 anos entra na UTI para dar assistência, valorizando o contato com o paciente e sua família, deixando que essa experiência influencie suas práticas de pesquisa, de ensino e de divulgação do conhecimento. Na entrevista a seguir, ele fala sobre os desafios na formação de pediatras intensivistas e a produção de conhecimento na área médica no Brasil.
Notícias da Saúde Infantil — Entre suas muitas atividades como professor titular de pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o sr. lidera e coordena programas de residência de Pediatria, Emergência Pediátrica e Medicina Intensiva Pediátrica. Quais são os maiores desafios nessa área de residência?
Jefferson Piva — Quando comecei a exercer a medicina, não havia residência médica nas áreas de atuação em pediatria, tanto que participei do reconhecimento da especialidade e da implementação da residência em Medicina Intensiva Pediátrica. A residência em pediatria no Brasil começou na década de 1960. Em 2000, 40 anos depois, enquanto nos outros países ela já durava 4 ou 5 anos, aqui ainda eram apenas 2, ou seja, faltava exposição do residente a novas tecnologias e a um melhor preparo. O mercado já estava insatisfeito, então a Sociedade Brasileira de Pediatria aumentou para 3 anos a residência em pediatria e, por outro lado, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira ampliou de 1 para 2 anos a residência em terapia intensiva. Nos últimos 10 anos, os movimentos das nossas sociedades médicas colocaram a pediatria brasileira no patamar de outros países, e todo médico depois de formado tem a exigência de 5 anos de aperfeiçoamento para poder lidar com os problemas de uma UTI pediátrica. Eu conheço os maiores hospitais do mundo e nenhum tem capacidade de dar treinamento em todas as áreas. Por isso, sou entusiasta do intercâmbio. Em Porto Alegre, há hospitais que concentram o atendimento a traumas e envio meus residentes para um período rotatório lá. Para o nosso hospital vêm outros que querem saber sobre cirurgia gastrointestinal e oncologia, por exemplo. Mas acho importante ressaltar que não adianta treinar só habilidades; precisamos ampliar a formação humanística, que é essencial para se relacionar e acolher a família, o que impacta no ambiente hospitalar.
Notícias da Saúde Infantil — Considerando sua experiência com os programas de pós-graduação em pediatria da PUC-RS e da UFRGS, uns dos melhores do país, como enxerga as possibilidades do Instituto PENSI na área de ensino?
Jefferson Piva — Nossas melhores universidades são as públicas e alguns hospitais públicos detêm a tecnologia mais sofisticada e cara. É um modelo concentrado em que apenas o Estado participava na pesquisa e na assistência médica de alta qualidade, o que considero injusto. Atualmente estão se desenvolvendo investimentos em pesquisa em universidades e institutos privados, conforme o modelo americano. O Brasil produz entre 2,5% e 3% da produção científica mundial na área da saúde — essa cifra é superior à de toda a América Latina e se aproxima da indiana. Mas, se formos comparar o que se reverte na Índia em número de patentes, veremos que o Brasil não gera patentes e não fatura com ciência, apesar de construir muito conhecimento em forma de artigos. A área privada deveria mirar o desenvolvimento de produtos com base em pesquisas; então, quanto antes começar, melhor, pois leva 15 anos para lançar no mercado um produto da área de saúde. Sem dúvida, acredito que o caminho do PENSI é a pós-graduação, pois se alia a ela um corpo docente especializado e que forma pesquisadores e pessoas aptas não só a gerar conhecimento, mas para abraçar esse tipo de oportunidade.
Notícias da Saúde Infantil — Tendo sido autor do livro Terapia intensiva pediátrica, a principal referência na especialidade, e editor sênior do Pediatric Critical Care Journal, como considera a produção de conhecimento científico na área de pediatria no Brasil e sua divulgação?
Jefferson Piva — Eu participei da fase em que o Brasil não produzia nem livros sobre a área e, logo em seguida, quando lançávamos o livro, já percebíamos defasagens e verdades que tinham de ser revistas. A partir do final dos anos 1990 aconteceu um boom de pesquisa no país, muito por causa de necessidades prementes, pois não adianta copiar um estudo da África ou da França, cujas populações e problemas são diferentes dos nossos. Os pesquisadores brasileiros têm respeitabilidade na comunidade científica, a produção é boa e pode aumentar, temos veículos reconhecidos internacionalmente. Vivemos uma curva ascendente após a primeira e a segunda geração de pesquisadores e a ciência é uma das poucas áreas em que não há conflito político-partidário. Apesar de muito ruído externo e redução de verbas, não se alterou a configuração da pesquisa no país, e as regras do jogo não foram mudadas.
Notícias da Saúde Infantil — O senhor ocupa uma cadeira na Academia Brasileira de Pediatria. Quais as principais questões para as quais essa academia olha atualmente?
Jefferson Piva — Ela foi concebida para premiar pediatras que fizeram contribuições relevantes na área, que contribuem para a sociedade civil, pediatras que sejam lideranças incontestes e tragam seu conhecimento para o público geral. A ABP conduz atualmente um programa de fóruns que vai a determinadas cidades para discutir com a comunidade local, incluindo psicólogos, pediatras e outros profissionais da saúde sobre temas como abuso sexual e uso de drogas. Têm sido debates riquíssimos. Em Florianópolis, por exemplo, abordamos dois tópicos: a falsa demonização das vacinas, apresentando dados, e o problema da violência nas escolas. Na ABP também aproveitamos a expertise de 30 acadêmicos e lançamos um boletim trimestral em que escrevemos artigos sobre arte, música, bioética e assuntos variados, além de abordar temas como a pesquisa clínica com crianças, que ainda é polêmica. A publicação é distribuída a todas as sociedades estaduais de pediatria do Brasil.
Notícias da Saúde Infantil — Quais estratégias considera interessantes para nortear o Instituto PENSI?
Jefferson Piva — A primeira coisa que se deve definir é para onde nós vamos. Eu não conheço quem faça pesquisa com sucesso em todas as áreas, por isso é necessário definir algumas áreas de ponta ou destaque, como neurologia ou reabilitação física, por exemplo. Faz-se uma imersão nessas áreas escolhidas, pois elas trazem outras junto: é o caso de transplantes, que têm complexidade e envolvem especialidades como anestesia, UTI, reabilitação. Foi desse modo que na PUC chegamos a uma nota tão alta na pós-graduação, elegemos um grupo pequeno de focos e a coisa cresce como uma árvore em que se define um tronco e dele vão se abrindo novos galhos. É importante estabelecer metas, como um número de artigos a serem publicados por ano, e hoje conta muito onde foram publicados e como foram referendados e citados.
Notícias da Saúde Infantil — Qual sua visão de futuro e expectativa em relação à atuação do PENSI no cenário da pesquisa da América Latina?
Jefferson Piva — O PENSI pode se tornar uma liderança na produção de conhecimento no Brasil, definindo suas áreas e metas de pesquisa, e ampliar suas parcerias pelo mundo. Sua situação é privilegiada junto ao Sabará Hospital Infantil, o que lhe confere agilidade e capacidade de atração de talentos para São Paulo. Pode se transformar em um centro de pesquisas relevante para costurar parcerias, não contando só com recursos próprios ou do governo, mas com investimentos da indústria farmacêutica, a exemplo do que aconteceu com a vacina contra a covid e a contra o vírus sincicial respiratório (VSR). Além disso, é possível planejar para que aos poucos as descobertas revertam em retorno financeiro, com registro de patentes que não precisam ser necessariamente de medicamentos, mas de equipamentos ou dispositivos médico-hospitalares que ajudem a melhorar a qualidade de vida de crianças com problemas cardíacos ou respiratórios, e isso é apenas um exemplo. Minha experiência na área de pesquisa e meus contatos com pesquisadores de várias localidades no mundo podem ser facilitadores desses processos.
Notícias da Saúde Infantil — Entre tantas colaborações da sua carreira para a medicina intensiva pediátrica brasileira, do que mais se orgulha?
Jefferson Piva — Vou responder o que me dá mais satisfação, pois não gosto muito da palavra orgulho. Posso ter sido pesquisador e professor, e orientei muitos alunos no mestrado e no doutorado, mas na realidade sou um médico e é a partir desse contato com o paciente e com a família que penso em pesquisa e em ensino, que são desafios de outra natureza. Tudo o que fiz foi baseado na assistência, e depois de 45 anos ainda entro na UTI quase diariamente para ser útil onde é necessário. Posso dizer com toda a certeza que eu preciso desse contato com os pacientes para continuar respirando.
Por Rede Galápagos
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