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“Devemos conhecer todas as exposições a que a criança pode estar exposta tanto no ambiente interno quanto no externo”, diz Marilyn Urrutia-Pereira, que estuda como fatores ambientais, a exemplo da poluição do ar e da exposição a produtos químicos, afetam o desenvolvimento e a saúde das crianças. Foto: Rudah Poran/Galápagos
Líder do Núcleo de Pesquisas Ambiente e Educação em Saúde (Nupaes) da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), a professora Marilyn Urrutia-Pereira é uma renomada especialista em pediatria com foco em saúde ambiental pediátrica. Coautora do capítulo “Saúde ambiental em pediatria” (com os professores Rinaldo Tavares e Carlos Augusto Mello da Silva) do Tratado de pediatria 2022 da Sociedade Brasileira de Pediatria, ela destaca-se por seu trabalho no reconhecimento de ameaças ambientais à saúde infantil e na implementação da anamnese ambiental. Sua pesquisa aborda de que modo fatores ambientais, como poluição do ar e exposição a produtos químicos, afetam o desenvolvimento e a saúde das crianças, especialmente durante as chamadas “janelas de suscetibilidade”. Urrutia-Pereira é uma voz influente na pediatria, defendendo que os pediatras estejam bem equipados para identificar e mitigar esses riscos ambientais. Temas como poluição do ar, qualidade da água e exposição a produtos químicos são discutidos com foco nos impactos adversos sobre o desenvolvimento infantil, e a importância de medidas preventivas faz parte de suas pesquisas e foi destacada na palestra “Anamnese ambiental nas consultas pediátricas”, no simpósio dedicado aos impactos da mudança climática na saúde das crianças, durante o 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil. “Podemos mudar o futuro dessas crianças; tudo está em nossas mãos”, enfatiza. Na entrevista a seguir, a professora fala de sua pesquisa e de como a pediatria precisa manter-se atenta e sensível ao amplo espectro da questão ambiental e seus impactos na saúde infantil.
Notícias da Saúde Infantil — Como começou a sua trajetória e como se especializou em saúde ambiental pediátrica?
Marilyn Urrutia-Pereira — Fiz o Curso de Treinadora do WONCA (World Organization of Family Doctors), especificamente o Air Health Train the Trainer Program. E também o Curso de Líderes de la Salud Medioambiental de Europa e América Latina, com o professor Juan Ortega Garcia, um dos maiores líderes da saúde ambiental na Europa.
Notícias da Saúde Infantil — Qual foi a principal motivação para abordar o tema da saúde ambiental pediátrica no Tratado de pediatria 2022?
Marilyn Urrutia-Pereira — De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as condições ambientais são responsáveis pela morte de aproximadamente 3 milhões de crianças com até 5 anos de idade em todo o mundo, por ano, impondo custos econômicos substanciais, principalmente nos países em desenvolvimento. Na América Latina, 100 mil crianças menores de 5 anos morrem a cada ano por causa de perigos ambientais. A mortalidade proporcional de crianças com idade abaixo de 14 anos relacionada a más condições ambientais é de 33% para doenças respiratórias, 32% para doenças diarreicas, 26% para lesões e 7% para câncer.
Notícias da Saúde Infantil — Qual é a sua definição para anamnese ambiental e qual é sua importância na prática pediátrica?
Marilyn Urrutia-Pereira — A saúde ambiental pediátrica é um ramo da pediatria que estuda a influência do meio ambiente na saúde infantil. Tem raízes históricas na toxicologia, epidemiologia e medicina ocupacional, cresceu substancialmente nas últimas décadas e tornou-se um componente cada vez mais visível e importante da medicina pediátrica. A saúde ambiental pediátrica engloba as medidas teóricas e práticas para avaliar, corrigir, controlar e prevenir fatores ambientais que poderiam afetar de forma adversa a saúde das presentes gerações e das futuras.
Notícias da Saúde Infantil — Quais são as “janelas de suscetibilidade” e por que elas são cruciais para entender os impactos ambientais na saúde infantil?
Marilyn Urrutia-Pereira — O feto, a criança e o adolescente podem ser expostos a ameaças ambientais durante períodos cruciais chamados de “janelas de suscetibilidade”, que impactam no crescimento e no desenvolvimento por meio de mecanismos semelhantes aos que respondem pelas consequências duradouras da privação nutricional precoce e/ou estresse psicossocial.
Notícias da Saúde Infantil — Quais são as principais ameaças ambientais que devem estar no radar dos pediatras ao realizar uma anamnese ambiental? Como esse conhecimento pode influenciar a abordagem do pediatra na prevenção de doenças crônicas?
Marilyn Urrutia-Pereira — Devemos conhecer todas as exposições a que a criança pode estar exposta tanto no ambiente interno quanto no externo. Entender as interações dos determinantes sociais ambientais é essencial para informar intervenções viáveis. A vulnerabilidade ambiental do bairro e da comunidade piora as situações de saúde e aumenta ainda mais as disparidades. As disparidades onde vivemos e onde estudamos podem ter um impacto negativo ainda maior na saúde, com risco aumentado de outros fatores (obesidade, exposição).
Notícias da Saúde Infantil — Qual é o maior desafio para integrar a saúde ambiental no currículo de formação dos pediatras?
Marilyn Urrutia-Pereira — A capacitação de profissionais de saúde para a detecção dessas exposições.
Notícias da Saúde Infantil — Quais políticas ou medidas são necessárias para proteger as crianças de ameaças ambientais, especialmente em países em desenvolvimento?
Marilyn Urrutia-Pereira — Engajamento das unidades básicas de saúde para a implantação da anamnese ambiental pediátrica na consulta de rotina (enfermeiros, médicos, agentes de saúde).
Notícias da Saúde Infantil — Quais os primeiros recursos ou treinamentos recomenda para pediatras que desejam aprofundar seus conhecimentos em saúde ambiental?
Marilyn Urrutia-Pereira — Ler o capítulo 2 do Tratado de pediatria 2022, que aborda esse assunto, e entender a importância da aplicação de um simples questionário, que é a anamnese ambiental pediátrica da SBP. Os pediatras podem envolver comunidades e famílias na prevenção de riscos ambientais à saúde das crianças aplicando o questionário e detectando os riscos ambientais precocemente; e, com isso, fazer intervenções que mudarão o prognóstico da saúde dessa criança e de sua família.
Notícias da Saúde Infantil — Que mensagem gostaria de deixar aos profissionais de saúde e cuidadores sobre a importância da saúde ambiental na pediatria?
Marilyn Urrutia-Pereira — Pensem, reflitam; podemos mudar o futuro dessas crianças — tudo isso está em nossas mãos. O ambiente de uma pessoa molda profundamente os resultados de saúde ao longo da vida. A prática pediátrica atual ainda negligencia amplamente a caracterização das determinantes de saúde em termos de fatores ambientais salientes, perdendo a oportunidade de entender a contribuição de exposições ambientais potencialmente modificáveis.
Por Rede Galápagos
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