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Gonzalo Vecina Neto, Gustavo Mendes, Sue Ann Costa Clemens, Gustavo Cabral, Fátima Fernandes e José Luiz Egydio Setúbal: encontro para falar sobre “Aspectos importantes no desenvolvimento de vacinas”
O segundo dia do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil contou com 102 palestras nas nove salas do Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo. A manhã começou com o Simpósio de Pesquisa Clínica e Ética em Pesquisa. “Não é comum, em nenhum lugar do mundo, termos um centro de pesquisa com foco em pediatria. Para conseguirmos fazer pesquisas de ponta de forma responsável, temos que focar na importância da ética. Pesquisar não é um direito do pesquisador, é um privilégio. Nós, que trabalhamos na disseminação de conhecimento, temos o privilégio de poder contribuir para a ciência, buscando sempre o bem-estar do paciente”, disse a diretora executiva do PENSI, Fátima Fernandes, na mesa “Singularidades no desenvolvimento de pesquisa em pediatria”.
Nomes renomados na área de vacinas fecharam o Simpósio de Pesquisa Clínica e Ética em Pesquisa. O encontro para falar sobre “Aspectos importantes no desenvolvimento de vacinas” reuniu Gustavo Cabral, do PENSI, Sue Ann Costa Clemens, Gustavo Mendes, da ANVISA, e Gonzalo Vecina Neto. A fase pré-clínica no desenvolvimento de vacinas, a experiência na construção e condução de pesquisas com vacinas, o passo a passo para aprová-las e a vigilância de eventos adversos foram as temáticas detalhadas. Para apresentar e reforçar a centralidade do tema no 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, o dr. José Luiz Egydio Setúbal e a dra. Fátima Fernandes apresentaram e lideraram os debates da mesa.
A seguir, os destaques do segundo dia.
Child Life: aspectos no cuidado dos pacientes de longa permanência
Ao relatar o alcance da atuação do Child Life Specialist, a americana Rebecca Simonitsch, especialista na área, contou sobre uma paciente com doença grave que vivia isolada em uma área de cuidados intensivos no hospital. A equipe de Child Life planejou e registrou uma série de vídeos de familiares que foram mostrados à criança. Dessa forma, ela também foi estimulada a gravar o seu depoimento, em forma de mensagem que seria enviada às pessoas da sua família. No vídeo, a menina mostrou que gostaria de ficar boa, mas sabia que não poderia mesmo ser curada e pediu a Deus que cuidasse de todos e que eles não brigassem entre si. Duas semanas depois, quando a paciente ficou inconsciente, a gravação foi mostrada à família e teve tamanho poder de sensibilização que levou os pais a decidir pelo desligamento dos aparelhos.
Gerente do programa de planejamento de cuidados avançados na Cottage Health e professora de pediatria na University of California, Santa Barbara, Rebecca apresentou uma série de recursos importantes aos quais as equipes de Child Life podem recorrer, como arteterapia e outras abordagens com música, dramaturgia, dança e hidroterapia. Entre outros destaques da palestra de Rebecca, ela detalhou cuidados que devem ser tomados em uma conversa importante com a criança: falar em um ambiente confortável para ela, explorar o que ela já sabe e investigar o quanto quer saber mais (respeitá-la se ela não quiser saber), explicar a informação em um nível apropriado para a idade, validar as opiniões da criança, manter os objetivos e esperanças realistas e deixar um espaço aberto para que a conversa continue em outro momento. Nesse processo, tanto a relação de confiança quanto a escuta atenta são primordiais. Dessa forma é possível que as decisões que precisam ser tomadas possam ser compartilhadas com a criança.
Estratégias do grupo de cuidados paliativos do Sabará Hospital Infantil
O diagnóstico é apenas o início de um longo caminho. Assim a dra. Cintia Tavares Cruz, médica intensivista e pediatra paliativista do Sabará Hospital Infantil, marcou o começo de sua palestra. Ela deixou evidente o quanto a chegada de uma criança ao hospital com uma doença rara ou complexa muda radicalmente sua vida. Por isso mesmo, o acolhimento de uma equipe de cuidados é essencial. “É como numa orquestra: trabalham todos juntos e alinhados, fazendo o que sabem fazer melhor.” A dra. Cintia, que também é tutora do curso de pós-graduação em cuidados paliativos pediátricos do Hospital Sírio-Libanês e membro do Comitê de Pediatria da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, trouxe um caso real para deixar ainda mais claro como acontecem as rotinas de cuidados — com auxílio decisivo das profissionais de Child Life — no hospital. Acompanhe como a trilha é longa quando se trata de cuidados paliativos na pediatria. São conduzidas as seguintes etapas:
1. Avaliação biológica (reuniões com especialistas para entender o contexto, o prognóstico e a fase em que se encontra a doença)
2. Avaliação da biografia (história de vida, família, valores, preferências, experiências e religião)
3. Comunicação (como comunicar o diagnóstico de forma acolhedora, como aliviar um pouco o sofrimento e explicar o prognóstico)
4. Acolhimento (escuta compassiva, escuta ativa, suporte aos pais, aos irmãos, aos avós)
5. Identificação e manejo de conflitos e estratégias de ação
6. Alinhamento (em reuniões e conferências com a família)
7. Planejamento de cuidados (traçar cenários, plano de cuidado de biologia e biografia, equilibrar esperança e realidade)
8. Avaliação multidimensional do sofrimento (emocional, social, espiritual e físico)
9. Suporte integrado (trabalho interdisciplinar)
10. Cuidados da equipe (que tem sobrecarga emocional e risco de burnout)
11. Cuidados de fim de vida (abordagens médicas técnicas e todo suporte psicológico)
12. Criação de memorial (recordações, carta de condolências, álbum de fotos e vídeos)
13. Grupo de suporte ao luto (seguimento de famílias no pós-óbito)
Coarctação da aorta
No Simpósio de Cardiopediatria e Cirurgia Cardiovascular Pediátrica, a dra. Lilly Montalvan, coordenadora da Cardiologia Pediátrica do Sabará Hospital Infantil, falou sobre coarctação da aorta, um estreitamento de algum ponto da artéria. Segundo ela, trata-se de um problema de formação genética, identificado ainda na fase fetal e mais comum no sexo masculino.
Os sinais clínicos mais comuns costumam ser uma lesão mais severa, dificuldade de alimentação, sopro cardíaco e fraqueza física, dentre outros. O tratamento varia de caso para caso, indo dos cuidados periódicos até a necessidade de cirurgia cardíaca, cabendo ao pediatra ter informações suficientes para dar o melhor andamento para cada paciente.
Esporte é estratégia para garantir saúde na infância
Falando diretamente do Chile, a dra. Sandra Matsudo, especialista em medicina do esporte, mostrou que incluir exercícios na infância melhora a composição corporal, os parâmetros cardiometabólicos e cardiovasculares e também melhora aspectos psicossociais e cognitivos das crianças. A diretora regional para a América Latina da Exercise Is Medicine e diretora de medicina do esporte e atividade física da Universidad Mayor diz que a atividade física com trabalho de força muscular ajuda a tratar e prevenir a obesidade e também é recomendada para pacientes com diabetes. Abordando vários aspectos das atividades físicas que influem na saúde, ela ressaltou que não é difícil mudar as rotinas infantis. “O músculo tem relação direta com o osso, e o estímulo de células ósseas é essencial para o crescimento e a massa óssea. Por isso, exercícios simples, como pular corda, deveriam ser obrigatórios para as crianças.” Além de serem um fator que influencia na prevenção e tratamento de várias doenças, as atividades esportivas para crianças e adolescentes trazem os seguintes benefícios:
Políticas para enfrentar o problema do excesso de peso
No Brasil, o sobrepeso está presente em 10% das crianças menores de cinco anos (ENANI, 2019). Entre os adolescentes, 17,1% estão com sobrepeso e 8,4% com obesidade (ERICA, 2016). Esse cenário é um problema persistente e mundial, tanto que combatê-lo é parte de metas da ONU e da PNAN (Política Nacional de Alimentação e Nutrição). O tema “Políticas sociais no excesso de peso” foi discutido por Lais Duarte Batista, nutricionista com pós-graduação em nutrição em alimentação escolar e doutoranda em ciências pela Faculdade de Saúde Pública da USP, no XI Simpósio de Dificuldades Alimentares do Instituto Pensi — FINUT. O enfrentamento do sobrepeso e da obesidade em crianças e adolescentes é complexo e multifatorial, pois envolve contextos familiares, domésticos e de comunidade. Dentre as políticas brasileiras existentes, há o guia alimentar, cuja última versão para adultos é de 2014; em 2021 foi lançado o guia para menores de dois anos, mas ele tem baixa difusão de seus conceitos entre a população.
O destaque entre as políticas governamentais é o PNAE, de merenda, que gerencia a oferta da alimentação na escola pública. “A escola deve ser entendida como um ambiente promotor de saúde e isso inclui cuidar da nutrição de forma contínua e não apenas em ações pontuais, como o dia da fruta”, ressalta Lais. Ela diz ainda que existe fragilidade de inserção dessa discussão na escola e na família, pois a educação alimentar começa em casa. Entre as políticas públicas, para além da escola, há as que regulam e controlam a qualidade dos alimentos, como a legislação específica para gorduras trans e a rotulagem nutricional, que entra em vigor neste mês de outubro. Para Lais, a disponibilidade e o acesso a alimentos adequados e saudáveis ainda são um dos principais problemas a serem resolvidos no Brasil. “Não adianta ter o conhecimento e o cuidado com a questão nutricional se o alimento não chega à casa das crianças. Por isso considero que alimentação, nutrição e política andam juntas”, conclui.
Dietas: mediterrânea, atlântica, flexitariana…
O Simpósio de Dificuldades Alimentares trouxe literalmente e propositadamente uma salada mista em relação às dietas. A dra. Alba Santaliestra Pasías, da Universidade de Zaragoza, falou sobre a dieta mediterrânea, que tem por base a alimentação típica de algumas regiões europeias banhadas por esse oceano — especificamente, o norte de Portugal e o sul da Espanha. O cardápio da atlântica tem como base peixes, legumes, azeite, frutas, carnes magras e laticínios. Cardiologista com atuação em nutrição, Daniel Magnoni, diretor de nutrição do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e do Serviço de Nutrologia e Nutrição Clínica do HCOR, falou sobre a dieta atlântica.
Embora bastante semelhante à mediterrânea, principalmente devido ao incentivo ao consumo de hortifrutícolas, azeite e frutas oleaginosas, a dieta atlântica diverge ligeiramente ao promover o consumo de mais pescado, tubérculos e caldos com carne e o consumo moderado de carnes magras. Algumas considerações trazidas por ele:
A coordenadora de nutrição do Centro de Dificuldades Alimentares (CENDA) do Instituto PENSI, Priscila Maximino, disse que as crianças não devem ser submetidas a dietas, e sim a uma orientação nutricional adequada. “Criança não é um adulto pequeno; ela precisa de um acompanhamento específico para sua idade e desenvolvimento. Os comportamentos usados para emagrecimento em adultos nunca devem ser utilizados em crianças.”
Segundo ela, o primeiro passo para tratar a obesidade infantil é abordar o tema a partir do ambiente em que a criança se encontra, explica Priscila. “A criança depende de um adulto para se alimentar, então temos que começar pelas famílias. Hoje, mais da metade da população brasileira está acima do peso. Ou seja, são pais, mães ou cuidadores que provavelmente mantêm um estilo de vida em que não se alimentam de forma saudável, apresentam menor atividade física e as crianças se encontram nesse contexto. Elas dependem das opções que são oferecidas em casa.”
Para complementar, diz a nutricionista, é preciso considerar a escola, quando a criança já está nessa idade, e o sistema de saúde. “É um tripé que precisa trabalhar em conjunto tanto na prevenção quanto no tratamento.”
A questão comportamental é a primeira que deve ser abordada, fortalecendo na criança a confiança de saber quando precisa se alimentar. “A criança nasce sabendo como controlar o seu próprio apetite, a sua ingestão alimentar”, completa. Por isso, é necessário reforçar nos pequenos o entendimento de “sentir os próprios sinais de fome e saciedade”.
“Há um senso comum de que a criança tem que se alimentar o tempo todo. Isso a tira do próprio cenário de entender quando está com fome, porque antecipamos a fome dela. Muitas vezes os adultos acabam induzindo na criança uma rotina alimentar que não condiz com o seu apetite”, segundo a nutricionista.
Por Rede Galápagos
Fotos: Agliberto Lima
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