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A criança se lembrará do que passou na UTI?
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A criança se lembrará do que passou na UTI?

A criança se lembrará do que passou na UTI?

29/01/2014
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Outro dia, minha filha de 13 anos perguntou na frente de amigos: “mãe, não é verdade que eu sempre adorei fotografia?” Por sorte, antes que eu pudesse responder, ela mesma sentenciou: “desde os 5 anos!”

Memórias são marcas… Inegável. Mas que tipo de marcas compõem a memória?

No começo da Psicanálise (por volta de 1900), Freud afirmava que nada do que acontece no psiquismo se apaga, nada! Mais adiante, acrescentou que a memória é uma espécie de mosaico: cacos de acontecimentos cinestésicos, visuais e auditivos, costurados por um amálgama de desejos em difração.

Pois bem, a memória é sempre composta com algo do que se passou e muito do que se compreendeu depois, formando um todo indiferenciado. Toda memória é assim.

As memórias afetivas cotidianas tendem a ser fluidas, se modificam, a gente lembra, esquece, compartilha e assim, lentamente, acrescenta um colorido pessoal à narrativa. Esta é a composição da fala da minha filha. Não é mentira! É uma apropriação necessária!

Por outro lado, as traumáticas tendem à imobilidade. Se você já sofreu um assalto ou acidente saberá que, por algum tempo, a gente conta exatamente o que aconteceu e reconta infinitas vezes para qualquer um que se avizinhe. Este é o sinal de que o psiquismo precisa digerir aquele acontecimento, e a gente digere assim, falando.

No hospital, por exemplo, não sabemos quais acontecimentos deixarão marcas no psiquismo da criança. Os pais tendem a pensar que a dor será inesquecível. Mas não é o que vemos. A dor é terrível enquanto está presente, o que não implica que será lembrada. As lembranças e marcas, mesmo doloridas e difíceis, não precisam ser traumáticas.

Ao contrário do que se pensa, FALAR pode ser a melhor opção. As coisas realmente difíceis a gente tenta nem falar delas, mas vou contar uma coisa óbvia: para esquecer é preciso lembrar!

Se a memória ganhar palavras, se se criarem várias versões e ecos, ela ganhará a possibilidade de inúmeras interpretações e estará aberto o caminho da fluidez, algo que nasce exclusivamente de se poder compartilhar.

Compartilhar significa legitimar as situações vividas, as sensações que calam fundo e que precisam da roupagem das palavras para virem à luz e assim poderem ser esquecidas. Se o que passou passar mesmo, para todos, estamos em um bom caminho.

Leia também: O contexto hospitalar para uma criança

Atualizado em 29 de maio de 2024

Dra. Gláucia Faria da Silva

Dra. Gláucia Faria da Silva

Psicóloga e psicanalista há mais de 30 anos, com mestrado e doutorado pelo Departamento de Psicologia Social do IP-USP. Coordenou o Serviço de Psicologia Hospitalar do Sabará Hospital Infantil de 2012 a 2021. Dedica-se diariamente a aprender a escutar os ecos da alma: no movimento, no olhar, na fala, no brincar.

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