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O EMDVA debateu inovações no tratamento das doenças das vias aéreas, reunindo especialistas para discutir temas como asma e infecções respiratórias. Na imagem, o otorrinolaringologista Fabrizio Romano, que em sua palestra explicou como se diferencia a sinusite viral da bacteriana. Foto: Rudah Poran/Galápagos
As doenças alérgicas têm várias facetas; por isso são desafiadoras. O principal papel dos pediatras é diagnosticar, tratar, prevenir e diminuir a carga das doenças crônicas para crianças e suas famílias. É uma área sem tanta possibilidade de prevenção, já que muitas vezes sofre influência genética, mas há orientações médicas que, além de melhorar a qualidade de vida na infância, podem impactar até a idade adulta. Independentemente da origem (se alérgica, viral ou bacteriana), os cuidados, investigações, tratamentos e tecnologias que envolvem as doenças das vias aéreas são sempre motivo para assistir ao encontro multidisciplinar da área, o EMDVA, que aconteceu no dia 3 de outubro no 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil.
Assessor científico do Instituto PENSI e professor associado da Unifesp, Gustavo Wandalsen indicou profissionais de vias aéreas inferiores e temas importantes abordados no encontro. Médico pediatra e alergista, ele também fez a mediação da mesa sobre asma, tema central no encontro. Ela contou com a presença de Leonard Bacharier, professor de pediatria e pesquisador americano que faz parte do comitê científico da Gina, a Global Initiative for Asthma, principal iniciativa de tratamento da asma no mundo. “Eu o conheço há mais de dez anos, desde que veio a um congresso no Brasil, e mantemos uma relação de amizade e de colaboração científica. Ele foi professor da Universidade de Washington, onde fez muita pesquisa e ensaios clínicos, assinando uma quantidade impressionante de trabalhos”, elogia Wandalsen, que assinou artigo conjunto com o dr. Bacharier sobre identificação de fatores de risco e marcadores para diagnóstico precoce de asma.
Cautela na administração de antibióticos
A primeira mesa do Encontro Multidisciplinar de Doenças das Vias Aéreas tratou das afecções das vias aéreas superiores, tendo como foco todas as famosas “ites” (rinites, sinusites, otites, estomatites), doenças que fazem parte da rotina dos otorrinolaringologistas. Atuando na área desde 2001, Fabrizio Romano, formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP) com doutorado em ciências pela FMUSP e pós-doutorado em otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMUSP-RP), tratou especificamente de como se diferencia a sinusite viral da bacteriana. O atual presidente da Associação Brasileira de Otorrinolaringologistas (ABORL-CCF) ressalta que as sinusites são uma das infecções mais frequentes nas crianças e responsáveis por grande parte das visitas ao pronto-socorro.
“Apesar de, em sua imensa maioria, serem causadas por vírus, muitas vezes os pacientes acabam recebendo tratamento com antibióticos de forma equivocada. Por isso, saber diferenciar os quadros virais dos bacterianos é essencial para o tratamento correto”, ensinou. Segundo ele, existem sintomas que podem confundir os pediatras na hora dessa diferenciação (se viral ou bacteriana), já que mesmo as sinusites virais podem apresentar secreção amarelada ou esverdeada. O tempo dos sintomas é outro fator importante. “Controlar a ansiedade dos médicos e dos pais na prescrição de antibióticos é um grande desafio na atualidade.”
Romano explicou que o uso inadequado dos antimicrobianos tem consequências e que seu uso não previne complicações, mesmo nos casos bacterianos; então ele aconselha aos pediatras seguir sempre um caminho mais conservador. O diagnóstico e o tratamento corretos evitam custos desnecessários, a possibilidade de ocorrência de efeitos adversos e o aumento dos índices de resistência bacteriana.
O médico tem papel primordial na prevenção da sinusite, pois orienta os pacientes (e, no caso das crianças, seus responsáveis) a manter alimentação e sono adequados, fazer uma boa higiene das mãos e a evitar contato com pessoas doentes para diminuir o risco de exposição a vírus. Na sinusite, é essencial a lavagem nasal com soro fisiológico, e o tratamento sintomático e anti-inflamatório precoce pode evitar a progressão para quadros bacterianos. Romano dividiu a mesa de debates com Olavo de Godoy Mion (Sírio-Libanês), que abordou o que há de novo no diagnóstico e no tratamento da rinite na criança; Rubens de Brito (Sabará Hospital Infantil), com palestra sobre otites e otomastoidite, e Ali Mahmoud (ABORL), que explicou a estomatite.
A tosse na mira de especialistas
Miriam Cardoso Neves Eller atua como pneumologista pediátrica no Sabará Hospital Infantil desde 2010 e está terminando o doutorado no Instituto da Criança da Universidade de São Paulo (USP), com foco em asma grave. Essa foi sua terceira participação no Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, e este ano ela abordou a investigação da tosse prolongada nas crianças, discussão da segunda mesa do EMDVA, sobre as infecções de vias aéreas inferiores. “A asma é a doença crônica mais prevalente na infância e a tosse seu sintoma mais frequente, o que deixa mães e pediatras preocupados”, observou ela sobre a tosse, que faz parte do dia a dia de pediatras e de pneumologistas.
É a tosse seca que aponta para a asma, mas existem muitos tipos e o maior desafio do pediatra é diferenciar se ela é fruto de infecção viral ou de quadro alérgico, ou de um sintoma de doença mais grave. É possível classificá-la em aguda ou crônica (quando dura mais de quatro semanas), observar se é inespecífica ou específica, seca ou com secreção produtiva, ou seja, catarro e expectoração.
Na maioria das vezes, a tosse não é sintoma de doença grave e sua maior causa são as infecções virais e as gripes, em especial nas épocas de outono e inverno. “Quem tem filhos na escola sabe que estão sujeitos a infecções respiratórias seguidas. Ou seja, uma tosse pode durar até três semanas e aí, quando a criança começa a melhorar, já pega outro vírus e emenda a condição”, ressaltou Miriam. Mas também existe uma doença que causa tosse com secreção produtiva por mais de quatro semanas: é a bronquite bacteriana protraída, que não dá quadro febril, como a pneumonia, mas exige tratamento com antibiótico específico e é mais difícil de detectar.
São outros sintomas combinados, como falta de ar, dificuldades no sono, alteração de oxigenação do sangue, piora na atividade física ou ausência de ganho de peso, que podem acender alertas para doenças mais graves. Em geral, para fazer essa investigação, o pediatra recorre à anamnese ouvindo os pais ou os responsáveis pela criança, para saber o histórico bem detalhado e entender os sintomas, seguida pelo exame físico. Miriam defendeu que, na investigação, é preciso se guiar por uma boa história clínica, para só então pedir exames, e apenas se necessário.
Em sua palestra, ela apresentou as principais causas da tosse prolongada e uma forma prática de separar os sintomas para chegar aos diagnósticos prováveis. “Explico como se usa um fluxograma baseado no guideline da ERS, European Respiratorian Society, que indica quando é necessário pedir exames. É uma aula bem prática: a criança chegou assim, a tosse é dessa forma, esse material dá o caminho para diagnosticar e saber quais os próximos passos, é de ajuda grande para realizar um diagnóstico correto”, completou ela, que escolheu se especializar em pneumologia porque a resposta a um tratamento acertado costuma melhorar muito a qualidade de vida das crianças com doenças das vias respiratórias. Além de Miriam, participaram da mesa sua colega do Sabará Hospital Infantil Maria Helena Bussamra, que falou sobre pneumonias atípicas; a pesquisadora Karina Pierantozzi Vergani, do Instituto PENSI, que discorreu sobre o tratamento da bronquiolite por fenótipos; e o professor Marco Aurélio Sáfadi, da Faculdade de Medicina da Santa Casa, que abordou o que mudou no tratamento da bronquiolite após a covid-19.
Mais qualidade de vida para as crianças com asma
Sob a moderação de Gustavo Wandalsen e do professor de pediatria da Unifesp Dirceu Solé, a terceira mesa do dia, com foco em asma, contou com a presença do renomado especialista americano Leonard Bacharier, que trouxe as descobertas de pesquisas clínicas com o uso de produtos biológicos no tratamento da asma grave.
Sempre privilegiando o diagnóstico e os tratamentos acertados, os médicos buscam indicar práticas que colaborem para melhorar a qualidade de vida das crianças que sofrem com as várias manifestações da asma, seja ela aguda ou crônica. Antônio Pastorino, do Sírio-Libanês, apresentou as recomendações da Gina (Global Initiative for Asthma) em 2024 para o manejo da asma. Depois da exposição de Bacharier, Emanuel Sarinho, que representa a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), explicou como garantir a adesão ao tratamento contínuo da asma persistente, e Alessandra Miramontes, especialista do Sabará Hospital Infantil e do Instituto PENSI, fechou a mesa com a palestra sobre a asma aguda refratária no serviço de emergência. Leia mais na entrevista com BACHARIER
Novas práticas para crianças bem pequenas
No simpósio dedicado ao lactente e pré-escolar sibilante, o último do dia, o dr. Wandalsen palestrou sobre o uso intermitente de corticosteroide inalado. “É uma forma de tratamento pouco difundida que tem mostrado resultados bons em crianças pequenas até os seis anos de idade, com sibilância recorrente ou asma intermitente”, explicou ele. Trata-se de administrar os medicamentos em doses mais altas, mas durante poucos dias, o que produz melhor adesão ao tratamento e diminui a quantidade de corticosteroide, usado então apenas nos picos de crise. Segundo o médico, no Brasil, de 20% a 25% dos lactentes têm sibilância recorrente, ou seja, novidades e ajustes no tratamento podem impactar nas internações, na qualidade de vida das crianças e nos custos da saúde pública.
Um dos maiores desafios dos pediatras que clinicam na área de doenças das vias aéreas é fazer o diagnóstico precoce de asma, pois existem apenas formas indiretas de chegar perto do diagnóstico, e ele costuma ser mais claro após os seis anos de idade. Wandalsen explicou que toda doença crônica em criança não é fácil, em especial a adesão ao tratamento, pois quem tem asma pode passar um tempo sem sintomas, ou ter poucos sintomas, e depois uma crise. E nas formas persistentes o cuidado precisa ser diário.
Em termos das inovações para os tratamentos, além da administração de medicamentos biológicos para asma grave, há também novas formas de avaliar a função pulmonar em crianças pequenas, o que permite acertar melhor o diagnóstico. O Instituto PENSI usa a oscilometria de impulso (IOS), método de avaliação da mecânica respiratória em que ondas sonoras determinam a resistência e reatância das vias aéreas. O procedimento não é invasivo e exige pouca colaboração do paciente, por isso é indicado para crianças e ajuda a quantificar doenças pulmonares obstrutivas, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). “Mas, em geral, o dia a dia é acompanhar a evolução das doenças, entender seus gatilhos e planejar o tratamento da forma mais completa possível.”
Conheça mais detalhes sobre esse e outros seminários do 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil.
Por Rede Galápagos
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