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“É preciso garantir que meninos e meninas tenham, de fato, seus direitos respeitados”
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“É preciso garantir que meninos e meninas tenham, de fato, seus direitos respeitados”

“É preciso garantir que meninos e meninas tenham, de fato, seus direitos respeitados”

05/10/2024
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A mestre em psicologia da educação Elisandra Felix Vieira participou da mesa “Família e escola: promotoras de saúde mental”, no Simpósio sobre Saúde Mental que aconteceu no sábado, 5 de outubro, no 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil. Suas atividades no Núcleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (Naapa), da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, incluem visitas às escolas para resolver questões de violência institucional, física, psicológica e sexual contra crianças e adolescentes. Foto: Rudah Poran

 

O tema é, no mínimo, desafiador. Mas a prevenção da violência nas escolas faz parte do dia a dia de Elisandra Felix Vieira, palestrante do Simpósio sobre Saúde Mental do 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil. Ela é professora e psicóloga, mestre em psicologia da educação pela PUC-SP e doutoranda na Unifesp na mesma área com que lida no Núcleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (Naapa), um setor integrado à Coordenadoria Pedagógica (Coped) da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. “Precisamos entender que a violência contra meninos e meninas é multifacetada, e para combatê-la é necessária a intersecção com outras políticas, como saúde, assistência social, direitos humanos, colegiados” expõe ela. Os casos identificados são divididos em risco social (situação em que uma criança não tem as condições mínimas para viver uma vida digna, como moradia, alimentação, convívio familiar saudável e escola), negligência e violência física.

O núcleo onde Elisandra trabalha, o Naapa, apoia as Unidades Educacionais que solicitam seus acompanhamentos no enfrentamento de diferentes violências. Tudo se inicia com a escuta dos desafios apontados pela unidade educacional, procedimento executado pelos profissionais do Naapa, com o objetivo de prover os cuidados e a proteção integral dos bebês, as crianças ou adolescentes vítimas de violência. Tal procedimento compõe uma das estratégias preventivas. No final de junho de 2024, a prefeitura de São Paulo regulamentou a escuta especializada de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, prevista na Lei Federal nº 13.431, de 4 de abril de 2017, organizando as ações intersetoriais da rede de proteção social na promoção dos cuidados de bebês, crianças e adolescentes com suspeita ou vítimas de violência. A dificuldade, segundo Elisandra, é ampliar os cuidados de proteção a esta clientela, visando intensificar seus direitos de acesso, permanência, desenvolvimento e aprendizagem no contexto educacional.  

Notícias da Saúde Infantil – Quais são as principais questões que impactam a qualidade das infâncias?

Elisandra Felix Vieira – Há um número expressivo de meninos e meninas em situação de negligência, em condições de extrema pobreza, como no centro de São Paulo, vivenciando processos de migração, situação de rua e até trabalho infantil. A cidade é dividida em 13 Diretorias de Educação, então os problemas divergem dependendo dos territórios (violência sexual, física, auto infligida, trabalho infantil, situação de rua e na rua). O território é heterogêneo, mas olhamos com atenção e colocamos foco onde precisamos atuar com a rede de proteção social. Observamos que os dados produzidos pela educação se assemelham a outras bases de informações da rede, portanto, são recortes da sociedade.

Notícias da Saúde Infantil – Sabemos que violência e maus-tratos impactam negativamente as infâncias. Como é possível realizar a prevenção dentro das escolas?

Elisandra Felix Vieira – Com certeza, em primeiro lugar é preciso vencer o tabu da violência na infância, pois, para muitos, ela é natural. O desafio é identificá-la, entender quais são as diferentes formas de violência e desmistificar o tabu de que crianças não sofrem deste flagelo. A naturalização da violência precisa ser desconstruída e o primeiro passo é olhar com atenção para o estudante a fim de reconhecer o que  está enfrentando. A violência institucional é a mais difícil de detectar, pois a sociedade, como sempre, produz violência, portanto, em todos os espaços sociais, o que inclui a escola. 

Notícias da Saúde Infantil – Como é a atuação do Naapa em relação a essa prevenção da violência?

Elisandra Felix Vieira – Na prática, as questões chegam como situação-problema, um desafio para a escola. A equipe multidisciplinar se debruça sobre a demanda apresentada e realiza sucessivas visitas à escola. Lá procura desconstruir visões que podem se configurar como “patologizantes” e/ou “medicalizantes”, incentivando possibilidades de convivências saudáveis, com apoio dos demais equipamentos da rede protetiva. Se verificarmos que há lacunas no processo de cuidado ao estudante, um conjunto de procedimentos é realizado em prol da criança e sua família. É papel do Naapa fazer costuras que garantam o acesso e a permanência deste estudante na escola, tentando evitar sua evasão e/ou abandono escolar, que é comum, por exemplo, para os meninos em cumprimento de medida socioeducativa, gravidez na adolescência, em situação de rua e na rua, entre outras situações preocupantes. Vale dizer que não somos psicólogos clínicos: fazemos um atendimento institucional, colaborando para a qualidade nas relações da escola, da família-escola-território.

Notícias da Saúde Infantil – Quais foram os pontos que você considerou mais importantes para sua exposição aos profissionais de saúde infantil?

Elisandra Felix Vieira – O fundamental é costurar essa interface entre saúde e educação, apresentar para os médicos como funciona o sistema municipal de ensino de São Paulo e em quais contextos a violência se incide. É preciso estruturar uma rede territorial composta por todas as políticas públicas (saúde, educação, assistência social, direitos humanos e segurança pública). A regulamentação da escuta especializada é um procedimento fundamental de ação de cuidado. Diante disso, os profissionais de saúde precisam conhecer os diferentes protocolos, antes dos casos chegarem para seus cuidados, para que as ações ocorram de forma integrada. Estamos caminhando para que as políticas avancem na garantia dos direitos e proteção infantojuvenil. Acredito que para isso a comunicação intersetorial é crucial. O médico precisa saber como é a vida da criança na escola, entender o que produz sua ferida, sua dor.

“Em termos de política pública de proteção à infância, para que consiga de fato proteger os meninos e meninas, precisamos reagir com ações políticas, éticas, humanas, que têm de acontecer no dia a dia.

Notícias da Saúde Infantil – Como a escola se insere na tomada de consciência da sociedade a respeito da problemática e no enfrentamento da violência?

Elisandra Felix Vieira – Uma escola com gestão democrática possibilita intersecções e abre portas para comunidade e as famílias na escola. Este movimento amplia as condições de acesso e cuidado das crianças. Além disso, é preciso seguir um currículo inclusivo, olhar para as diferenças, proporcionar uma educação integral. Veja, se eu não olho para o sujeito integral, eu não consigo me aproximar dele e apoiá-lo em suas necessidades, tanto educacionais quanto sociais. À medida que estabeleço diálogo com outras redes de proteção, tenho mais elementos para entender o que acontece na vida dele ou dela. A educação nos privilegia nesse aspecto, pois a criança está todo dia na escola, desse modo, temos maiores condições de ampliar as possibilidades de qualificar o trabalho de proteção, instrumentalizando os indivíduos a entenderem que estão vivendo situações violentas. Muitos meninos e meninas são salvos por reconhecerem sua condição de risco e materializarem seu sofrimento na escola. Ajudar os estudantes neste processo de autoconhecimento e de cuidado é uma ação pedagógica e reforça a ideia de que a escola é o lugar para realizar essa prática.

Notícias da Saúde Infantil – O relatório realizado pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal, com base na “Pesquisa nacional sobre atitudes e percepções sobre maus-tratos e violência contra crianças e adolescentes no Brasil”, relata que existe um espectro amplo do que se consideram práticas educativas e há discordância sobre quando os comportamentos passam a ser abusivos e se tornam violentos. Poderia comentar sobre essas constatações?

Elisandra Felix Vieira – Vale entender que existe um olhar subjetivo para a questão, pois o que é violência para mim pode não ser para você. Existem práticas que são consideradas educativas, mas que, na realidade, são violências. Muitos documentos ou leis, por exemplo  o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) oferecem elementos para entendermos as diferentes expressões da violência. Uma frase que se escuta com frequência é “Melhor estar trabalhando do que roubando”, ou seja, há quem entenda o trabalho infantil como natural, em especial para crianças em condições sociais desfavoráveis. Desconstruir esses pensamentos é complexo, mas temos parâmetros legais para isso. No entanto, existem as ditas verdades morais, que exigem que lidemos com crenças e valores arcaicos de nossa sociedade. Lembro que, quando eu era coordenadora do Naapa, fui chamada em uma unidade educacional para resolver qual banheiro uma criança trans iria usar. A escola encontrou desafios em dialogar e descontruir alguns posicionamentos conservadores, foi árduo o caminho para autorizar o uso do banheiro das meninas para esta estudante. Após vários diálogos e conversas, conseguimos garantir as condições de acesso e trânsito da estudante em todos os espaços, sem restrições. Este exemplo aponta que cabe a nós tais mediações. É nossa responsabilidade discutir temas como sexualidade, identidade de gênero e de raça na escola e construir estratégias de acesso para todos e todas. 

Notícias da Saúde Infantil – No Brasil, nos últimos dez anos, foram registrados no Sistema de Agravos de Notificação (Sinan) mais de 800 mil casos de violência contra vítimas de até 14 anos, incluindo violência sexual, violência física, violência psicológica e negligência. Quais são as principais estratégias às quais a escola pode recorrer para diminuir esse número de casos?

Elisandra Felix Vieira – É um conjunto de ações. Em primeiro lugar, a identificação: saber identificar se é violência ou não. Em seguida, acionar a rede de proteção e oferecer todos os cuidados necessários à vítima. Se não houver um fluxo de comunicação intersetorial e não for possível fazer as mediações no território, contando com uma gestão democrática na escola, a proteção fica mais difícil. Por mais de dez anos eu estudo esse tema e entendo que a nossa dificuldade está em materializar as ações; é preciso fazer boas costuras para que elas aconteçam intersetorialmente. 

Notícias da Saúde Infantil – Qual é o maior desafio na atualidade para a prevenção da violência na infância?

Elisandra Felix Vieira – Em termos de política pública de proteção à infância, precisamos avançar nesta pauta ampliando práticas humanizadas e mais respeitosas na escola. Nunca deixei de estar na ponta, no chão da escola, pois eu milito nesse lugar, onde me identifico e reconheço os desafios vivenciados por ela. Se ampliarmos nossos olhares para os desafios presentes no contexto escolar, mais possibilidades de sucesso podemos encontrar. Então entender quais são os marcadores das desigualdades sociais não é uma discussão isolada ou acadêmica, é uma discussão nossa, necessária. Todo terapeuta ou médico que olha para além do clínico faz diferença na vida e na educação do estudante.

Por Rede Galápagos

 

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