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Outro dia ouvi algo assim: [Uma menininha no parque, falando com sua mãe ao telefone] “olha mãe, eu tô pulando corda, tá, é, eu sei que você não vê… (silêncio), então sente o ventinho!”
Ou assim: “Pai nosso que estais no céu/Santificado seja o nosso nome/Seja feita a nossa vontade...”
Ou ainda: [Pai para o filho de 30 meses] Quer saber qual você vai ganhar? Então “chuta”! E a criança, tranquila, chuta a canela do pai.
Que exemplos maravilhosos de três mecanismos do pensamento infantil.
Quando os pais insistem que os filhos entendem tudo que eles falam, não tenho certeza que estão levando em consideração que, de fato, a criança entende tudo, mas do jeito dela!
Para uma criança até 5 ou 6 anos vigora o pensamento animista e concreto: TUDO é concreto, palpável, tem vida e vontade tanto quanto ela. As paredes cismam em bater em sua cabeça, o arroz pula no chão, a água foge de suas mãos… A metáfora do tipo “chuta”, é bem arriscada de se fazer a um pequeno entre 2 e 3 anos… quanto à criança do primeiro exemplo, ela está na transição do pensamento concreto para degraus mais abstratos. Ela “sabe” que a mãe não a vê, que o olhar não passa pelo telefone, mas a voz está tão pertinho, quem sabe se o ‘ventinho’ não passa? Ela não tem certeza.
As crianças entendem o mundo à sua maneira: experimentando, pensando logicamente, porém dentro dos parâmetros concretos, animistas e egocêntricos.
A criança do segundo exemplo é inteligentíssima: assimilou rezar como algo importante, então repete exatamente o que entende da fala do adulto: que a “nossa” vontade seja feita… E quem pede algo muito diferente?!!
Estes elementos concretos, animistas e egocêntricos são ainda a fôrma com a qual são construídas as fantasias. As fantasias mostram as hipóteses da criança, hipóteses lógicas dentro de um raciocínio concreto e animista para entender seu corpo e sua inserção familiar. Se um menino só pode ser menino, se não experimenta ser príncipe, monstro ou super-herói, o mundo será um lugar desinteressante e estático, ao qual ele se vê submetido. Ser gente é poder habitar a própria realidade de modo criativo e singular, transformando-a.
Consequência de não sabermos disso, por exemplo, são momentos em que, de modo amargurado, os pais constatam que os filhos são egoístas. Assumem com pesar, se esforçam em educar através de castigos e brigas, sem conseguir compreender a diferença entre egoísmo e egocentrismo.
O egocentrismo implica que, na perspectiva da criança, ela é o centro do universo. Assim, se ela te ama ela vai te dar uma flor arrancada na calçada e vai esperar, se você a ama, que você lhe DÊ algo, que pode ser uma bala ou uma moeda de um real. É muito triste quando crianças antes dos 6 anos são chamadas pela família de “interesseiras”. O interesse é um dos nomes do amor da primeira infância e é um amor medido em ações concretas palpáveis e visíveis.
Muitas vezes, os sonhos exacerbados das crianças, seus medos e desejos tão ardentes quanto descartáveis desestabilizam a lógica parental. Parece que para o filho nada é suficiente. Para os pais é preciso ser afetivo, dar limite, ouvir a criança, barrar seus excessos, estar presente, ensinar a frustração e (ufa!) entender que ela entende sim, mas de maneira singular. Olhe, veja e divirta-se!
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Atualizado em 3 de junho de 2024