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Recentemente assisti ao filme “Procurando Dory”. Como sempre, os filmes da Disney/ Pixar são divertidos e muito bem feitos, mas sobretudo tratam de temas preciosos e profundos de forma leve, contendo muitas mensagens bonitas e importantes, que nos levam a muitas reflexões.
A personagem principal é uma peixinha simpática que sofre de perda de memória recente, ou seja, não consegue assimilar fatos, acontecimentos e ensinamentos, pois não tem a capacidade de retê-los. É, portanto, um ser “com deficiência”, que tem que lidar com suas dificuldades. Seus pais têm uma atuação digna de destaque, com os quais muito se pode tirar de exemplo e aprender. Eles têm consciência da situação de sua filha, e a amam como ela é, portadora de uma deficiência mental. Não ignoram os dados de realidade ou fingem que ela é um peixe “normal”. Sabem que, para Dory, viver adaptada ao meio é desafiante e fazem de tudo a seu alcance para que ela tenha uma vida o mais segura e feliz possível. Mas como o fazem é o que merece destaque.
Os pais da personagem principal tomam alguns passos importantes. O primeiro, após a aceitação do problema de sua filha, foi explicar-lhe de forma que ela entenda e aprenda que algo em sua intelectualidade é diferente e a atrapalha. Depois, e aí é quando começa a grande sacada deles, foi perceber o que ela tem de positivo e como isso pode ajudá-la. Conseguem que ela memorize uma frase dizendo que tem perda de memória recente e, com isso, explique sua condição aos outros, repetindo essa fala. Isso faz com que a peixinha consiga ganhar a empatia dos outros.
Conquistado isso, passam a criar situações ensaiadas, fictícias, para que Dory consiga lidar com os percalços e, ao mesmo tempo, manter-se o mais possível fora de perigo. Como manejo, e isso é muito importante, dão as ferramentas necessárias, ou melhor dizendo, promovem, dentro das possibilidades de Dory, um empoderamento dela, conseguindo que ela desenvolva formas possíveis de lidar com cada situação. Sua mãe, por exemplo, fala para ela que, em caso de dúvida, o que deve fazer é continuar a nadar, e isso ela tem total domínio (é uma peixinha). Nadar garante sua sobrevivência e a tira do momento de pânico, do não saber o que fazer. Sua capacidade de análise imediata de uma situação é extraordinária. Dory acabou por desenvolver essa habilidade acima da média, de observar o que está ao seu redor no momento e quais as possíveis soluções que se apresentam para seus impasses, pois tem que conviver com isso continuamente. Assim, seus pais criaram um ambiente seguro para ela, mas mantiveram a sua liberdade, preservando-a como um ser independente. Ao mesmo tempo, mostravam que ela é capaz e davam-lhe as ferramentas necessárias, dentro de suas capacidades, sem baixar sua autoestima.
Claro, isso não funciona cem por cento pois, como o título mesmo indica, Dory se perde dos pais e fica sozinha no mundo. Ao longo do filme – que termina bem, como era de se esperar – podemos perceber o quanto a maneira como ela foi criada na infância provou-se importante no seu desenvolvimento e crescimento, pois ela, com suas limitações, sobrevive, faz amizades, cativa e tem muitas aventuras. Isso só é possível porque Dory possui as ferramentas necessárias, desenvolvidas e estimuladas em sua criação. Seus pais a empoderaram.
Lidar com dificuldades, sejam elas deficiências mentais, físicas ou intelectuais, não é tarefa fácil. Exige empenho e, sobretudo, preparo e uma visão especial. É desafiante para a pessoa que vive essa realidade, bem como para seus familiares e aqueles com quem convive. Os pais têm papel fundamental. Necessitam educá-los para a vida em sociedade e para sua vida cotidiana. O primeiro passo é perceber e aceitar o diferente, não tentar fingir que a deficiência não existe, mesmo que inconscientemente. É preciso entender que há, sim, uma dificuldade e que há, sim, algo que não é o padrão. Aceitado isso, vem o mais importante, empoderar, ou seja, estimular o que o filho tem de positivo e dar o necessário, ensinando, treinando-o para que consiga lidar nas diversas situações. Desenvolver a autoconfiança, mas não de maneira irreal, nunca mostrando que é possível algo que não é.
No filme “Ray”, sobre a vida de Ray Charles, há uma cena muito bonita, quando ele, criança, já sem enxergar normalmente, entra em casa e pede ajuda a sua mãe. Esta fica quieta no canto (chorando), mas não vai a seu auxílio, deixando que ele se vire. Depois explica que tomou essa atitude para prepará-lo para a vida, pois nem sempre estaria a seu alcance ou presente para ajudá-lo e ele precisava aprender a fazer as coisas por si só. Que exemplo! Ao invés de ir pelo caminho mais fácil, fazer por ele, ou com ele, a mãe de Ray Charles levou-o a buscar e, com isso, a se desenvolver dentro das limitações. Sem dúvida é mais difícil. Sem dúvida, na hora, é mais dolorido. É mais trabalhoso, mas é o certo. Isso é empoderar, estimular a autoconfiança. É fazer com que a criança se sinta capaz, que busque os desafios para que possa se desenvolver, sabendo que tem limitações, mas que pode ter qualidade de vida.
Extrapolando, por que não fazer isso com todas as crianças, mesmo as que não são portadoras de deficiência?
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Atualizado em 18 de setembro de 2024