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Uma das medidas não medicamentosas adotadas no contexto da pandemia foi o confinamento social, nos limites do possível. Por causa disso, as escolas ficaram fechadas e, por extensão, as crianças ficaram privadas das vantagens do poder frequentá-las. Crianças pequenas, ou seja, da escola de Educação Infantil, sobretudo as que são filhas de famílias mais pobres, prejudicaram-se ao menos em três pontos: (1) não puderam contar com a alimentação e os cuidados que recebem das educadoras, (2) não puderam conviver com outras crianças e, por isso, não puderam experienciar os benefícios do compartilhar uma vida em comum, (3) seus pais, ocupados com uma sobrevivência difícil, nem sempre puderam oferecer a elas o equivalente ao que receberiam de suas educadoras na escola. Em síntese, se é fato que muitas crianças pequenas puderam viver, mesmo durante a pandemia, as alegrias de uma casa boa, com pais amorosos, comida farta e saudável, cheia de possibilidades para brincar e conviver com irmãos e familiares. É, igualmente, fato que muitas outras crianças, principalmente as mais pobres, sofreram restrições alimentares, pois a comida de casa não era de mesmo valor nutricional que a da escola, sofreram convivendo com pais lutando pela sobrevivência da família e sem tempo, nem condições, de cuidar bem de seus filhos, ainda que muito o desejassem.
Por outro lado, é importante comemorarmos as descobertas que esses tempos de pandemia nos proporcionaram. Descobrimos, na prática, as vantagens de se dispor de recursos tecnológicos de comunicação, de obtenção de informações e de produção de vacinas e outros equipamentos de saúde. A internet e os aplicativos de interação social possibilitaram que famílias e suas crianças pudessem conversar, via celular ou computador, com outras pessoas, as educadoras puderam orientar os pais de seus alunos sobre o que fazerem com eles visando ao minimizar da ausência da escola, profissionais da saúde puderam continuar seu trabalho de cuidado profissional das crianças e suas orientações quanto a uma puericultura desejável em tempos de tantas restrições e possibilidades de contaminação viral. Mas, famílias pobres tomaram consciência da falta que faz não poder ter uma internet com boa potência na transmissão de dados, da insuficiência do se ter apenas um celular e, mesmo assim, com recursos operacionais limitados.
De qualquer forma, imaginemos, por um momento, o quão difícil seria para todos, os ricos e os pobres, lidar com essa mesma pandemia, tivesse ela acontecido trinta anos atrás!
Pelo que dissemos acima, a volta às aulas presenciais é algo a ser festejado. Todos estávamos ansiosos por essa possibilidade, agora realizável porque a maioria da população pôde ser vacinada. Na pandemia, ocorreu uma substituição do contato face a face pelo contato digital. Nosso problema agora é integrar essas duas possibilidades, construindo uma educação híbrida em que os benefícios da interação digital sejam compartilháveis com os benefícios da interação física, presencial. Crianças pequenas precisam de um contato direto com pessoas e coisas. Suas formas de relação estão apoiadas principalmente na percepção e nos órgãos do sentido. Seus processos de simbolização e seus recursos de verbalização estão começando a ser construídos. Crianças pequenas precisam se relacionar concretamente com pessoas e coisas, precisam se sentir bem cuidadas e a construção de sua autonomia ou autocuidado é um processo lento e complexo. Hoje escola e família são duas instituições a cuidar das crianças e jovens. Muitos pais e mães contam com a escola, pois precisam trabalhar fora de casa e nela nem sempre há quem possa cuidar de suas crianças.
Mas, a escola que as crianças encontrarão em seu retorno não será mais a mesma. Seus professores e diretores agora sabem que podem contar também com recursos digitais para conversarem com as famílias de seus alunos, sabem que os recursos de ensino podem ser melhorados em favor de uma educação de qualidade.
Um ganho resultante do contexto da pandemia foi a que se tomou consciência da falta que faz uma escola, da falta que fazem os professores. A escola é um espaço de convivência fundamental para a construção de habilidades socioemocionais bem como da aprendizagem de ferramentas intelectuais imprescindíveis no mundo de hoje, para todos. Crianças pequenas, em particular, por conta de seus processos de aprendizagem e desenvolvimento em construção ainda insuficientes não sabem organizar suas vidas, quanto às suas necessidades de sobrevivência, e, tampouco sabem encontrar amigos para brincarem, para trocar experiências. A escola é um lugar privilegiado para isso e os professores são especialmente fundamentais para a promoção desses encontros entre crianças, para as rodas de conversa sobre as coisas da vida, sobre o ouvir e discutir histórias que tanto encantam as crianças.
Mas, uma relação professor – aluno só vale a pena ser for saudável, isto é, se estiver marcada por atitudes de cuidado, delicadeza, atenção e carinhos para com cada criança e para com todas as crianças. Todos nós guardamos em nossa saudade e reverência aqueles professores que nos ensinaram não só conteúdos escolares, mas que foram amáveis e respeitosos para conosco. Por igual, também nos lembramos, às vezes com amargura e ressentimento, aqueles que não souberam ser gentis, que foram brutos e fizeram comparações inadequadas e evitáveis, expondo-nos ao ridículo perante a classe. A importância de um professor e das imagens que deixam impregnadas em nós só é comparável à que temos em relação aos nossos pais. Daí ser fundamental que professores saibam ser educativos, mas gentis nas formas de fazê-lo. Nestes tempos de retorno à escola, é crucial que os professores saibam acolher os alunos, ouvir suas histórias e, quem sabe, sofrimentos, dificuldades ou perdas durante os tempos de confinamento social exigidos para o controle da pandemia. Pode ser que muitos alunos tenham ficado com ressentimentos quanto à falta que a escola lhes fez, pode ser que não saibam compreender os motivos disso. Que os professores possam recebê-los de volta com carinho e esperança, possam lhes explicar com palavras ou imagens que os alunos compreendam, sobretudo os da Escola de Educação Infantil. Amar e brincar são as duas principais linguagens de uma criança pequena e adultos são fontes especiais para o provimento delas.
Por tudo isso, é com muita alegria que festejo o dia do professor e saúdo com gratidão as pessoas e instituições que me permitiram abraçar esta profissão, uma profissão que tem marcado todos os dias de minha vida.
Parabéns aos professores e muito obrigado pelo bem que fazem aos seus alunos e às suas necessidades e direitos de receberem uma educação que lhes garanta um presente feliz e lhes assegure, ao mesmo tempo, um futuro auspicioso.