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A criança pequena em casa e no hospital
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A criança pequena em casa e no hospital

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13/06/2014
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Como é a vida de uma criança pequena, com menos de dois ou três anos? O que dá forma e gosto a ela? Que pessoas e coisas fazem sentido? Quais as semelhanças e diferenças em tudo isso, quando ela está em casa ou no hospital? Proponho pensarmos um pouco sobre essas questões, nós que somos responsáveis por seu desenvolvimento e saúde.

Em casa, quero destacar três pontos, interligados entre si. Primeiro, ela precisa de rituais de espaço e tempo. Rituais são mediadores que organizam as relações da criança com tudo, inclusive consigo mesma. Rituais de espaço se referem aos lugares e aos objetos: onde ela come, dorme, brinca, os cômodos de sua casa, os brinquedos, os objetos e as pessoas do seu dia a dia. O que ou quem são? Onde estão, para onde se movimentam? Como ela se relaciona com eles? Rituais de tempo se referem ao quando e ao como algo acontece em sua vida no dia a dia. Hora de levantar, de se trocar, de brincar ou passear, de comer, tomar banho, de ouvir estórias, de dormir. São tempos que começam, se desenvolvem e terminam, que dão forma e limite ao seu corpo, às suas ações.

Segundo, ela precisa de pessoas grandes que cuidam e se importam com sua vida em todos os sentidos. Não lhe basta receber comida e limpeza, ela precisa que “conversem” com ela, dêem risadas, façam palhaçadas, cantem ou contem histórias, façam carinhos e caretas e comuniquem um aspecto da vida que ela não pode fazer para si mesma. A criança precisa do outro, sobretudo se esse outro se chama mãe ou pai, para conhecer e se tornar, pouco a pouco, alguém como ele. Mas esse outro pode ser fonte de estímulos que podem ser positivos, como os que mencionei, ou negativos, como uma cara de bravo ou de ameaça, uma expressão de tristeza e raiva, um falar alto, bater ou ser indiferente.

Terceiro, ela precisa de um tempo para estar com objetos que lhe são familiares ou interessantes. Ela precisa de um tempo para brincar e, assim, descobrir ou criar o mundo ao seu modo. Nesse tempo ela pode fazer o que quiser com os objetos. Bater, esconder, esfregar, lamber, cantar, olhar, guardar, chocalhar. Os adultos estão diretamente fora desta relação, o que fazem é prover e cuidar para que ela tenha essas possibilidades, o que fazem é protegê-la de perigos que ela ainda não sabe evitar. Rituais que organizam o cotidiano da criança, pessoas que cuidam e interajam com ela, e objetos que lhes possibilitem brincar e exercitar seus poderes e gostos, em síntese, são quase tudo o que a criança pequena precisa para ser feliz e se desenvolver.

Precisar ir ou estar no hospital é uma quebra dos três aspectos mencionados. Os rituais, as pessoas e os objetos são ou parecem outros. A condição da criança também é diferente. Como lidar com essa ruptura? Como apresentar e viver os rituais de espaço e tempo do hospital? Como ser o mesmo pai ou mãe ou apresentar e conviver com as “novas” e diferentes pessoas que ocupam seu lugar no tratamento da criança? Como encontrar um espaço para brincar e recuperar o sentido e o gosto pela vida? No Sabará chamamos isso de humanização. Trata-se de cuidar para que os rituais, próprios à vida de um hospital, não sejam agressivos para a criança. Trata-se de se importar com ela e não apenas ser importante. Trata-se, o mais possível, de lhe proporcionar oportunidades de cantar, ouvir estórias, ver palhaçadas, acariciar cachorros, desenhar, de lhe devolver seu “pronto sorrir”. De lhe apresentar voluntários, que vão lá pela graça e doação de estar com ela, de compartilhar com ela e sua família um momento em que todos estão com ela e para ela. É bom quando uma criança se sente bem cuidada e experimenta o gosto de observar que se importam com ela, que lhe permitem brincar e viver a vida, mesmo quando está doente ou prevenindo-se de uma doença. Para uma criança pequena esses cuidados e importâncias têm um nome, mesmo que ainda não saiba dizê-lo: eles se chamam amor!

Atualizado em 13 de junho de 2024

Dr. Lino de Macedo

Dr. Lino de Macedo

Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). É presidente da Academia Paulista de Psicologia e professor emérito do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Integra a Cátedra de Educação Básica do IEA (USP) e é assessor do Instituto PENSI.

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