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“Os olhos são a janela da alma.” Essa frase conhecida marcou a abertura do VII Simpósio de Atualização do Transtorno do Espectro Autista, que ocupou o auditório durante todo o terceiro dia (8/10) do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil. A psicóloga Katerina Lukasova, professora da Universidade Federal do ABC, explicou que o olhar diz muito sobre a emoção e a interação social. Sabemos que a falta dos olhos nos olhos, do contato visual com as pessoas, é um indício importante de autismo.
Katerina fez seu doutorado na Universidade de São Paulo sobre o Eye Tracking, um equipamento que rastreia para onde e por quanto tempo a criança foca o seu olhar diante de imagens projetadas. No caso, vídeos que mostram uma mulher e um brinquedo, imagens alternadas, várias vezes. A ideia é acompanhar onde está o foco do olhar da criança, fazendo comparações. Depois de explicar detalhes técnicos do equipamento e de como funcionam os principais testes, ela apresentou o projeto de pesquisa do PENSI para detecção e intervenção precoce de Transtorno do Espectro Autista (TEA) através de rastreamento ocular (Eye Tracking) e do método da Análise Aplicada do Comportamento (ABA), aprovado pelo PRONAS/PCD, do Ministério da Saúde.
“O rosto humano é um estímulo muito poderoso, mas existe muita diferença entre como o olhar do autista e o do não autista se fixam nele”, observa Katerina. Em amostra com crianças com diagnóstico de TEA, registrou-se que 98% delas têm mais interesse em figuras geométricas. Ter atração pelo olhar do outro e segui-lo na mesma direção — se a pessoa no vídeo olha para um objeto, por exemplo, fazer o mesmo — é a chamada atenção conjunta. O projeto do PENSI usa essa técnica de rastreio ocular (Eye Tracking) para detectar alterações nessa atenção conjunta ou compartilhada. Até agora foram testadas 784 crianças de 0 a 4 anos em situação de vulnerabilidade social de várias creches de uma região da capital paulista, e, destas, 43 tiveram diagnóstico de TEA.
O olhar é um ponto de partida fundamental para o desenvolvimento infantil. De frente para a mãe, os recém-nascidos imitam seus trejeitos e esse comportamento abre para eles a leitura do mundo. “É quando olha para a mãe e a percebe assustada que o bebê consegue sentir ameaças ou prever os comportamentos da outra pessoa, mas as crianças com TEA têm dificuldade de reconhecer a emoção e fazer contato com o outro, de ter empatia”, explica outra participante do encontro, Patricia Muñoz, pós-graduada em neuropsicologia pelo HCFMUSP, mestre e doutora em psicologia experimental pelo Instituto de Psicologia da USP.
Usando o rastreamento do olhar, que identifica como os estímulos são processados, Patricia conduziu um estudo comparando a fixação do olhar em 40 meninos de comportamento típico e 40 meninos com TEA. Um mapa de calor mostra quanto tempo a criança permaneceu fixando o olhar no rosto. Ela concluiu que os participantes com TEA apresentam um déficit de reconhecimento de emoções em faces, e a magnitude desse déficit aumenta com a idade e não pode ser justificada pelo nível de inteligência (independe do QI medido no estudo). Também não faz diferença se o transtorno é leve, mediano ou grave — todos os meninos com TEA mostram um padrão de olhar difuso, enquanto os de desenvolvimento típico revelam um padrão de olhar focado nas regiões da face que permitem reconhecer emoções. “Quanto mais cedo se conduzirem treinos com rastreamento ocular, melhor, pois é possível que a criança se desenvolva com esses exercícios. O padrão de olhar difuso afeta a rapidez e a assertividade no reconhecimento de emoções, fator importante para lidar com o mundo e suas situações.”
Considerando o rastreio ocular como estratégia de ensino e avaliação na educação inclusiva, a professora adjunta da UFABC Priscila Benitez defende que é possível fazer exercícios com a utilização do Eye Tracking para identificar vocabulário e ampliar o repertório dos alunos com TEA. Também é possível propor tarefas que levem ao desenvolvimento de foco e verificar qual é a atenção da criança para planejar atividades pedagógicas mais adequadas. “A medida pelo Eye Tracking dá dicas sobre o controle de estímulos e em quais características da tarefa o aluno presta mais atenção”, explica a professora Priscila, que orienta mestrandos na pós-graduação em engenharia e gestão da inovação da UFABC e na pós-graduação em educação especial da UFSCAR. “Nossa ideia, ao disseminar achados científicos com a área de educação especializada, é estabelecer uma consultoria colaborativa entre a universidade e a escola pública”, diz Priscila. Segundo ela, entre 1% e 5% dos alunos têm necessidade de apoio mais próximo para garantir a inclusão; então é preciso organizar suportes educacionais adequados e ensino em pequenos grupos ou mesmo individualizado.
Por Rede Galápagos
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