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Repetir, repetir – até ficar diferente.
Repetir é um dom de estilo.
Manoel de Barros
Diariamente, precisamos nos adaptar a mudanças, pois a vida é constante transformação e a velocidade da cidade que habitamos nos move mesmo que a gente queira permanecer em repouso. O corpo que habitamos também nos surpreende, ora pela força, ora pela fragilidade e a mente, por sua vez, nos aborda com pensamentos involuntários e inesperados, alguns nos tranquilizam, outros nos deixam muitíssimo ansiosas.
Estar no hospital é preparar-se para o imprevisto, preparar-se para lidar com ele. É uma missão complexa, que detona as bases instáveis das expectativas que criamos e nos faz flutuar em uma nuvem volátil que varia entre brisa e tempestade. De uma forma ou de outra, como marinheiros equilibrando-se na proa de um navio, firmamos os pés no chão para que o vento não nos derrube, sem perder a delicadeza do movimento das ondas que nos fazem dançar.
Em outras palavras, estar no hospital como atriz é ter agilidade para contribuir com a mudança de perspectiva sobre expectativas frustradas. Não se trata de impor um olhar positivo acerca de tudo que acontece, mas de sugerir interpretações diferentes para eventos adversos; trata-se, visitando a sabedoria popular, de fazer limonada com limões. Insistir em extrair algo construtivo de cada experiência é um treino para cooperar com quem precisa de apoio no dia a dia dentro do hospital.
Neste sentido, nós atrizes e atores fantasiados de seres encantados, podemos: nos comunicar por telepatia com crianças que não podem falar, identificar super poderes em famílias com um desentupidor de pia, fazer festa de aniversário na UTI, usar luvas plásticas como bexigas ou como luvas de boxe para lutar e descarregar um pouco da raiva e frustração que se acumulam com as dores sem machucar ninguém, enfim, nós temos uma licença para transformar poeticamente o ambiente e seus habitantes, em algo além de pacientes, acompanhantes e funcionários. Por alguns momentos, mães são super heroínas, crianças tem o poder de congelamento, um abraço faz uma enfermeira curar o cansaço e esse acordo entre as partes faz a mágica acontecer.
Nós fazemos um combinado de brincar de mágica, afinal estamos todos fantasiados de princesa, de médica, de paciente, de mãe, mas sabemos bem que estas são só algumas das fantasias que possuímos, cada um de nós é muitas pessoas em uma só.
E, às vezes, não funciona! Um equipamento de aspiração é só um equipamento de aspiração, a caixinha de música perde a graça, nem as bolhas de sabão mudam o clima triste que se instaura. E nesses momentos é ainda mais importante a resiliência: nos despedimos. Mas, voltamos, no dia seguinte ou alguns dias depois, tentamos de novo e de novo até que algo ou alguém sinta que extrapola esse mundo concreto de máscaras de oxigênio e medicamentos, para usar na verdade máscaras de super herói e antídotos contra vilões. Repetimos tantas vezes que a mágica acontece!