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Tempo fora do tempo.

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25/05/2017
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Todos os dias me levanto e todas as noites me deito com a sensação de que faltam horas para fazer tudo que quero e tenho de fazer. Isto quando me deito a noite e me levanto de dia, porque muitas vezes até essa ordem de ações se inverte, se acumula e, ou cochilo durante o dia no transporte de um lugar ao outro, ou o sono simplesmente não chega, apesar do cansaço.

Ouço as mesmas palavras de amigos e familiares, de colegas de trabalho, leio desabafos semelhantes nas redes sociais, nas matérias de jornal, assisto situações idênticas em séries e me surpreendo quando a Netflix me pergunta se ainda estou lá.

Passo o dia imaginando o cheiro de mato, as horas sem pressa ao lado das pessoas que amo, a refeição preparada com calma, os livros lidos. Acordo desse sonho com a buzina de alguém que me avisa que já é hora de seguir em frente.

Eu penso no texto que tenho que enviar para a Flávia. Tão logo penso, me perco nas luzes da rua, nas contas a pagar, na agenda cheia, nas roupas para lavar, no sorriso de uma criança… Quando me sento em frente ao computador para escrever, as palavras não surgem. Então, eu penso no hospital. Penso nas crianças, pais, acompanhantes, funcionários, em mim mesma, caminhando à procura de um sapato pelos andares. Sempre à procura. E quando penso nisso tudo, existe um silêncio, uma calma e certa paz. Então (algumas) palavras surgem.

Os ponteiros avançam velozes, mas na cidade, há lugares onde o relógio anda em câmera lenta. Lá estou todas as semanas, entro, subo as escadas e tudo muda, há uma espécie de tempo fora tempo. E eu sei – e como sei! – que essa calma e certa paz que sinto, sinto porque sou visita. Contudo, não é o espaço, o hospital que faz silêncio, são as pessoas que estão nele. São pessoas que habitam a cidade. Os hospitais, as casas e as ruas, também. Os edifícios demolidos. Há pessoas ali. Há pessoas por toda a parte. Então, eu penso no hospital e já não é no hospital que penso, penso nas pessoas: crianças, pais, acompanhantes, funcionários, em mim mesma, caminhando à procura de um sapato pelos andares. Sempre à procura e percebo que do lugar onde estou já fui embora…

Eu percebo que não são horas que me faltam. São pessoas. Não quero mais horas no dia, quero mais pessoas no dia. São as pessoas que fazem silêncio e que dizem palavras, também:

 

O livro sobre nada

Manoel de Barros

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.

Dr. José Luiz Setúbal

Dr. José Luiz Setúbal

(CRM-SP 42.740) Médico Pediatra formado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com especialização na Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduação em Gestão na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Pai de Bia, Gá e Olavo. Avô de Tomás, David e Benjamim.

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