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O terceiro setor vive um momento curioso: ao mesmo tempo que nunca se doou tanto no Brasil o setor vive uma preocupação de como será o pós- pandemia. As instituições se preparam para tempos ruins pela frente. Há uma percepção que houve uma onda de filantropia com doações causadas pela comoção do desastre da crise do sistema de saúde e da consequência disso e também a consequente crise social que as medidas de isolamento social acarretariam. A sociedade civil se mobilizou de maneira exemplar e houve doações maciças de maneiras nunca vista no país e no mundo.
O que impressiona não é apenas a escala de capital comprometida pelos principais filantropos (US$ 10,3 bilhões em todo o mundo em maio de 2020, de acordo com o Candid). Em meados de maio foi alcançada a enorme cifra de R$ 5,2 bilhões doados no Brasil para a pandemia de Covid -19. Muito dinheiro para um país onde se fala que não se doa muito. Ou seja, se doou no Brasil cerca de 10% do que foi doado no mundo.
A filantropia no Brasil ocorre em doações baseadas em leis de incentivos fiscais e também muitas fundações e associações dependem de verbas governamentais, uma vez que oferecem serviços para o governo. Todos nós sabemos que os próximos anos serão anos de recuperação econômica, portanto anos duros para economia e de grandes números de desempregados, que somados ao que já existiam vão piorar em muito a crise social já existente.
O setor parece trabalhar com a ideia de que boa parte das doações foram antecipadas e dirigidas para a saúde, para a problemática da Covid-19 e que dificilmente sobrará dinheiro para outras causas e para novas doações. Para o ano que vem, as empresas terão dificuldades, pois boa parte delas não terão bons resultados e os lucros terão se tornado prejuízos ou terão diminuído muito. O mesmo está acontecendo com os dividendos e com os bônus dos executivos e das ações. Assim sendo, sobrará muito menos dinheiro para doações, tanto de pessoas físicas como de pessoas jurídicas.
Num interessante artigo da consultoria McKinsey sobre o pós-crise na filantropia americana, que é muito diferente e muito mais poderosa que a nossa, ela sugere coisas muito interessantes. Uma delas é a parceria de fundações em busca de objetivos comuns e em busca de resultados mais rápidos e cita sete fundações que formaram uma parceria para criar o Fundo para Famílias e Trabalhadores, fornecendo financiamento flexível para organizações que trabalham para impedir que as pessoas caiam mais na pobreza por causa dos efeitos da Covid-19. Da mesma forma, a Covid-19 Therapeutics Accelerator foi formado para desenvolver opções de tratamento, ancoradas em US$ 125 milhões em financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates Foundation, Wellcome Trust e Mastercard Foundation. Foi rapidamente apoiado com o financiamento subsequente de outras pessoas.
Outra sugestão é de investimento em comunidades locais. As doações locais são uma oportunidade para os filantropos testarem e aprenderem com uma variedade de modelos de doações participativos e liderados pela comunidade, que podem ser aplicados em seus trabalhos em seus países ou em todo o mundo. Uma das oportunidades que nossa Fundação teve de investir o dinheiro que nosso Conselho Superior destinou a doações às causas sociais foi em uma parceria com a Fundação Tide Setúbal, que são os movimentos Enfrente e Família apoia Família – ambas plataformas abertas e colaborativas para o enfrentamento dos efeitos dessa crise, e que podem receber doações de toda a sociedade.
Para finalizar as sugestões o artigo propõe ações de colaboração junto ao governo, que não é frequente nos Estados Unidos, mas que é muito mais comum entre nós. Penso que o nosso terceiro setor precisa também refletir e aproveitar este momento de transformação da sociedade para se transformar e crescer. Momentos de crise servem justamente para isso.
Fonte: A transformative moment for philanthropy
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