PESQUISAR
Escrever nem uma coisa
Nem outra –
A fim de dizer todas –
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar –
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.
Manoel de Barros
Quinta-feira da semana passada uma das crianças chegou de pijama, como gosta de se vestir nos dias em que vai à Ubá. O calor estava derretendo tudo. O pijama? Calça comprida e mangas compridas. Costumamos dar o tempo dela sentir o calor e sozinha sentir a necessidade de tirar o traje de dormir, mas nesse dia a temperatura já estava insuportável e, após alguns minutos, sugeri que tirasse a blusa. Ajudei-a pois era uma roupa mais justa e pedi que guardasse em sua mochila, mochila esta que estava no cabideiro, a uns seis metros de onde estávamos e sem visão para o local onde ela estava brincando.
Optei por não acompanhá-la, apenas observá-la à distância, em silêncio, para ver se corria tudo bem, e eis o que se passou: a primeira tentativa foi abrir a mochila para guardar, mas com ela pendurada ficou difícil de abrir o zíper, desistência. Logo depois tentou colocar a blusa por cima da mochila, apoiada no cabide. Nada, blusa no chão. Quase desertando sua missão, tentou vestir a blusa mais uma vez, desistiu mais uma vez. Por último, ela olhou bem para a mochila, tirou-a do cabide, abriu o zíper, guardou seu pijama calorento e correu de volta para o gramado, onde a aguardava uma bacia refrescante cheia de água, na qual essa criança passou a tarde, tranquila.
Esse acontecimento fez-me pensar sobre o tempo que disponibilizamos às crianças para que elas cresçam. Além disso, sobre como o silêncio e a paciência do adulto muitas vezes educam mais do que as falas. Pensei em como, muitas outras vezes, nesses vários anos trabalhando com crianças, não tive consciência da importância desse tempo, e logo intervi, dei sugestões, ajudei. Ou pensei que ajudava.
Nesse dia, essa criança não viu que eu a via. E por isso tentou (e conseguiu!) sozinha resolver sua situação: guardar uma blusa na mochila. Parece simples, e por isso nós adultos muitas vezes não seguramos nossa ansiedade e oferecemos logo a solução. Porém, foi um aprendizado importante para aquela criança, naquele dia, construir sua própria solução, o que não teria acontecido se um adulto apressado e ansioso não conseguisse controlar seus anseios e logo fosse “ajudar”.
Sim, sabemos, às vezes é hora de ir embora, às vezes a comida vai esfriar, às vezes a aula vai começar, às vezes não há esse tempo. Mas muitas outras vezes há, e penso que precisamos todos despertar essa consciência: dar tempo às crianças para se vestirem, para comerem, para organizarem os brinquedos, para ficarem olhando uma minhoca. Tempo real. E junto com isso, dar-nos tempo de controlar os impulsos e somente observar, no silêncio.
Leia também: Criar e educar os filhos: as armadilhas que envolvem
Atualizado em 2 de setembro de 2024
mensagem enviada
Bacana Lilia
Maravilhoso;)
Realmente o adulto não dar este tempo a criança de construir suas soluções,logo interfere impedindo o crescimento e o desenvolvimento das suas potências e habilidades
Pensamento perfeito! Está difícil o adulto parar, principalmente, para contemplar o que está a sua frente, como o desenvolvimento de uma criança. O professor sensível, atento às necessidades das crianças, sabe que a observação é um ponto chave para desenvolver atividades adequadas e próprias para desafiar as crianças a partir do nível em que estão e isso, para mim, é em tudo, em qualquer nível do aprendizado. Parabéns pela experiência e obrigado por compartilhar! Vládia Freire, pedagoga e psicopedagoga, 35 anos, PB.
Belíssimo depoimento de quem percebe a importância e poesia contida no respeito de, “conceder” ao outro, seu próprio tempo.
Parabéns por sua generosidade !!!
Gratidão Lilia !!!
Um abraço demorado (e com tempo…rs)
Lara Queiroz
Quintal Infâncias
Oá! É isso que nos falta desenvolver…. respeito a este tempo e espaço para se crescer pleno. Obrigada por dar voz consciente a este fenômeno necessário.
Lilia Boa Tarde
Parabenizo pelo seu artigo que favorece refletir sobre o tempo da criança. Eu sou coordenadora pedagógica de creches no litoral de São Paulo e o tempo é um tema incansável que estamos discutindo com as nossas equipes, pois acreditamos que o tempo da criança é a infância e não é o tempo do adulto. Estamos em processo de estudo para possibilitar mudanças na fluidez deste tempo que deve ser respeitado.
Também senti isso na época em que trabalhei em uma escola infantil. O tempo das crianças é diferente. E muitas vezes elas reproduzem nossa ansiedade de fazer o melhor e o mais rápido. Além também da vontade de agradar o outro. Ser criança nunca foi fácil. O adulto muitas vezes facita, mas na verdade está dificultando algo que pode acontecer no futuro e que nem sempre terá um outro adulto para ajudar. Complexo.
perfeito!! É assim que se faz a Educação Infantil!
Vivemos com esta pressa, e vamos introduzindo as crianças neste mundo corrido. Também já passei por esta experiência com crianças de 18 meses. Só olhando . Quem aprendeu? Eu.
Concordo com o que Lilia observou. A crianç a, assim, pode ter mais liberdade e criar, sentir sr capaz.
Se tivermos mais delicadeza para cuidar das crianças, cooperaremos para um mundo melhor.
Gratidão.
Andréa.
Psicóloga
Quanta beleza em um gesto tão simples! Aprendi aos poucos a ouvir mais e observar. Tenho me permito aprender muito com as crianças e quanto há para saber ainda… Ótimo texto! Em um mundo tão dinâmico o ambiente que oferecemos às crianças beira a insanidade!
Você trabalha com hotmart? Promove produtos digitais?
Então eu quero convidar você para ser um Sniper.
Para saber mais sobre oque é ser um Afiliado Sniper e o que você vai ganhar com isso, o endereço esta linkado ai no meu nome.
Abraço.
Adorei sua contribuição…. Com seu relato… O exercício do silêncio …da escuta …e a observação são imprensindiveis para compreendermos o processos de aprendizagens e o desenvolvimento de nossas crianças….
Excelente reflexão, belo texto e o mais importante, a Casa Ubá e suas profissionais praticam o respeito e a valorização da criança. Conheço o espaço e minha filha sempre pede pra voltar.
Confesso: sou um adulto ansioso, sempre estou com pressa e em várias dessas ocasiões eu poderia ter esperado que minha filha resolvesse sua situação. Sempre que venço a ansiedade eu consigo dar esse tempo e o resultado é sempre muito bom. Obrigado pelo texto.
Lilia, gostei muito do seu relato. É sensível e nos ajuda a perceber o quanto segurar a ansiedade adulta é importante. Segurar a ansiedade nos permite ver. Obrigada por compartilhar. Abraço. Lindalva Souza.
Eu concordo, principalmente porque a criança aprende a conviver e viver com suas derrotas, suas experiencias o levam a se torna independente sem sofrer…. Mas, como você fala no texto, somos escravos do tempo, do trânsito, das intempéries. E mas temos, como país, a desenvolver na criança o sendo de responsabilidade em cumprir horário, até para respeitar os outros. É uma é fácil. Mas faz parte de ser pai e ou mãe, procurar conciliar tudo de forma a criar uma ser que cresça para ser feliz.