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O brincar como esperança
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O brincar como esperança

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22/03/2022
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O capítulo 8 do livro organizado por R. H. Thompson, The Handbook of Child Life: A Guide for Pediatric Psychosocial Care (2009), foi escrito por Peggy O. Jessee & Laura Gaynard. Ele se refere aos “paradigmas do brincar” de crianças hospitalizadas, na perspectiva dos Child Life Specialists. No Sabará Hospital Infantil, temos Child Life Specialists que, por igual, recorrem aos brinquedos e às brincadeiras como formas não medicamentosas de ajudarem crianças e suas famílias a enfrentar o estresse inevitável em situações de hospitalização.

Neste artigo, o destaque será ao brincar como esperança, segundo Jessee & Gaynard. Eu nunca tinha lido sobre a função do brincar nessa perspectiva e gostei do que as autoras propuseram. De fato, sobretudo para crianças hospitalizadas, portadoras de doenças crônicas ou que implicam difíceis e prolongados tratamentos, poder brincar é uma dádiva, e desenvolver esperança ao fazê-lo é uma dádiva ainda maior. Segundo as autoras, esperança refere-se a possibilidades, ao futuro e, muitas vezes, coexiste com a incerteza. Possibilidades, aqui, correspondem ao se sentir melhor, ficar livre de doenças ou minorar os sofrimentos que acarretam. Futuro, aqui, corresponde ao continuar vivo, conectado com as coisas da vida e do mundo. Incerteza, aqui, refere-se ao fato de que nada está garantido, mas que há esperança de que o melhor ganhe do pior.

Para Jessee & Gaynard, esperança é uma qualidade humana potente e positiva. Potente porque se contrapõe ao desânimo, tão comum quando nossos filhos ou nós mesmos estamos doentes. Positiva, porque reafirma a nossa vontade de viver e o sentido que atribuímos à vida. Se ficar ou estar doente é um desafio, ter esperança de que superaremos essa condição é algo muito valioso. Segundo elas, todos temos uma “história de esperança”, resultante de crenças pessoais ou sistemas de fé.

Nesses tempos tão difíceis e incertos, acarretados pela pandemia devida à covid-19 e às duras formas de seu enfrentamento, a esperança de que teríamos vacina e outros recursos medicamentosos ao tratamento trouxe, para muitos de nós, alento e confiança em um futuro quiçá melhor. Segundo Jessee & Gaynard, pesquisas indicam que, quando pessoas perdem a esperança, (ou seja, a perda de uma fantasia convincente e significativa sobre o futuro), a morte não fica muito atrás.

A esperança, como forma de expressão, é valiosa, sobretudo, em crianças pequenas, no contexto de brincadeiras em que podem expressar, ainda que doentes e hospitalizadas, seu gosto pela vida, pelo se sentir bem e próximas de pessoas queridas e confiáveis.

Jessee & Gaynard vêem a esperança como uma forma de resiliência. Graças a isso, crianças expostas a ambientes perigosos e a eventos ameaçadores da vida podem fazer adaptações positivas ao estresse. Podem se recuperar e obterem sucesso face à adversidade. Resiliência é uma competência social, que se expressa no contexto de experiências estressantes, que desafiam o processo de desenvolvimento. É o que ocorre, por exemplo, em situações de deficiência ou de doença crônica com risco de vida. Segundo as autoras, uma das características da resiliência é o sentimento de esperança: “um senso de propósito e futuro”; “senso de controle do próprio destino e otimismo”; uma “crença de que se pode influenciar o ambiente e não ser engolido pela situação”; uma “perspectiva positiva”; “uma convicção de que as coisas vão dar certo no final, apesar das probabilidades desfavoráveis”.

Muitas, senão a maioria, das crianças com as quais os Child Life Specialists trabalham podem ser classificadas como estando em uma situação de risco em relação ao seu bem-estar físico e emocional. Essas crianças precisam do apoio de outras pessoas para nutrir e facilitar o desenvolvimento de características resilientes, para que sejam capazes de enfrentar o estresse inerente às suas vidas e se recuperarem com uma adaptação bem-sucedida.

Jessee & Gaynard consideram que brincadeiras de fantasia, de faz-de-conta ou de fingimento fornecem às crianças oportunidades de expressar e compartilhar suas esperanças com outras pessoas e podem potencialmente apoiá-las no estabelecimento e manutenção de crenças, atitudes e comportamentos resilientes.

Fantasia, faz-de-conta, imaginação estão presentes em todas as sociedades humanas. Segundo Piaget, o faz-de-conta é a segunda estrutura lúdica, que integra elementos da anterior – o jogo de exercício – ao continuar valorizando o prazer funcional e a repetição, introduzindo, além disso, o símbolo. Faz-de-conta é, portanto, um jogo simbólico. É uma forma de “assimilação deformante” ou prática da liberdade, graças a qual crianças podem sonhar, imaginar ou brincar com realidades muito diferentes das que estão vivendo ou a que estão subordinadas. Ao brincarem de faz-de-conta, as crianças ampliam a gama de comportamentos potenciais, aumentam a possibilidade de sobrevivência em um ambiente em constante mudança, e fornecem a flexibilidade comportamental essencial para a resolução de problemas.

O jogo simbólico contribui à criatividade e ao aprimoramento de habilidades sociais e cognitivas. Por intermédio dele, crianças podem expressar simbolicamente seus conflitos e ansiedades, bem como se libertarem emocionalmente de seus medos. Ao se envolverem em brincadeiras de fantasia, também podem se tornar mais cooperativas com os adultos e, quem sabe, diminuírem sua raiva, angústia, fadiga decorrentes de sua doença e dos tratamentos a que devem se submeter. Jessee & Gaynard citam os resultados de um estudo que explorou o impacto da brincadeira de fantasia na ansiedade de crianças com doenças crônicas. Nele, verificou-se que a atividade fantasiosa das crianças teve um efeito positivo na redução do sofrimento, razão pela qual se recomendou a incorporação de atividades imaginativas nas intervenções terapêuticas dos profissionais de saúde.

O brincar de faz-de-conta, além de ser uma prática lúdica centrada na liberdade (de inventar, de sonhar), possibilita um “brincar com esperança”, esperança em uma vida melhor, quem sabe mais sadia ou diferente da que está ora ocorrendo. Como já mencionado, ter esperança transforma nossa relação com o possível, com um futuro quem sabe diferente, quem sabe melhor. O contexto lúdico, para as crianças, talvez seja o contexto mais apropriado para se vislumbrar essas virtualidades.

Muitas vezes, os problemas que as crianças enfrentam parecem sem esperança. Mas, nas brincadeiras de faz-de-conta elas podem ser capazes de pensar em quaisquer soluções possíveis para as situações com as quais lutam. Nesses casos, simplesmente imaginar a situação ou dilema pode não ser suficiente para facilitar a solução efetiva do problema ou a esperança. Por exemplo, isso pode ser observado quando os Child Life Specialists apoiam as crianças na reencenação de experiências de cuidados de saúde nas quais as crianças ficam, via de regra, passivas. Poder criar possibilidades anteriormente não concebidas facilita a busca de uma solução e o enfrentamento mais eficaz de problemas, reduzindo o sofrimento e favorecendo o desenvolvimento de imagens futuras positivas.

Brincar de faz-de-conta como esperança traz muitos benefícios, segundo Jessee & Gaynard:

  • Melhora a qualidade de vida das crianças;
  • Promove habilidades de resolução de problemas, criatividade mental e flexibilidade;
  • Ajuda as crianças a expressarem emoções e conflitos inconscientes;
  • Aiminui a ansiedade, raiva, angústia e fadiga;
  • Apoia as crianças a manterem esperança e desenvolverem resiliência enquanto lidam com doenças, lesões, cuidados de saúde e outros estresses da vida.

Daí a importância que Child Life Specialists atribuem ao brincar de faz-de-contas, ou seja, ao brincar dirigido pelas próprias crianças, seja através de brinquedos estruturados (bonecas, bolas e materiais utilizados no hospital “verdadeiros” ou simulados) ou não estruturados (massa de modelar, água, lápis e papel). Isso maximiza as oportunidades de experiências de faz de conta nas crianças que frequentam o Sabará Hospital Infantil. Através dessa forma de brincar, possibilitam às crianças hospitalizadas criar imagens esperançosas por meio do mundo da fantasia. Assim, um futuro aparentemente sem esperança pode se transformar em um mundo de inúmeras possibilidades.

Dr. Lino de Macedo

Dr. Lino de Macedo

Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). É presidente da Academia Paulista de Psicologia e professor emérito do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Integra a Cátedra de Educação Básica do IEA (USP) e é assessor do Instituto PENSI.

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