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O diretor do PNI, dr. Eder Gatti, aponta três focos principais do governo para recuperar a imunização infantil: aprimorar os sistemas de informação, ampliar o acesso às vacinas com o microplanejamento municipal e combater a desinformação que causa hesitação vacinal. Foto: Rudah Poran/Galápagos
O médico infectologista Eder Gatti é especializado em imunizações e saúde pública, com um papel fundamental na pediatria brasileira. Ao longo de sua carreira, ocupou posições estratégicas em instituições como o Instituto de Infectologia Emílio Ribas e agora é coordenador do Programa Nacional de Imunizações (PNI) no Ministério da Saúde. Com vasta experiência no combate a surtos e na formulação de políticas públicas, Gatti se destaca na defesa da vacinação como uma ferramenta essencial para a saúde coletiva.
Durante a aula magna que proferiu recentemente no 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, Gatti ressaltou o impacto da desinformação na hesitação vacinal e a necessidade de estratégias robustas para combater esse problema. Em entrevista à Notícias da Saúde Infantil, ele explica os motivos da queda vacinal no Brasil desde 2016 e detalha os esforços do Ministério da Saúde para aumentar a cobertura vacinal. “Nós já superamos o cenário pré-pandemia, mas o problema começou antes de 2016”, afirma. Nesta conversa, o médico aborda as principais dificuldades enfrentadas pelo PNI, incluindo o desmonte do complexo econômico-industrial da saúde e a propagação de muita desinformação sobre vacinas. “No futuro, a inteligência artificial poderá apontar onde estão as fragilidades”, diz, projetando uma visão direcionada à recuperação das taxas de cobertura vacinal no Brasil no Brasil.
Notícias da Saúde Infantil — Quais são os principais pontos críticos em que o Brasil precisa avançar para melhorar a cobertura vacinal infantil?
Dr. Eder Gatti — O Brasil tem um programa de imunização robusto, que já eliminou várias doenças em seu território. Entretanto, desde 2016, estamos observando uma queda nas coberturas vacinais. Para resolvermos isso, precisamos entender as causas dessa queda. Primeiramente, há problemas administrativos no registro de doses aplicadas. Além disso, o acesso às salas de vacinação é limitado em alguns locais, com horários restritos e falta de capilaridade. Outro problema é a hesitação vacinal, que cresceu devido à disseminação de desinformação, levando muitas pessoas a temerem as vacinas.
Notícias da Saúde Infantil — Quais estratégias estão sendo implementadas para melhorar essa situação?
Dr. Eder Gatti — O Ministério da Saúde tem atuado em várias frentes. Estamos aprimorando os sistemas de informação para evitar perdas administrativas e melhorar o registro das doses aplicadas. Além disso, incentivamos os municípios a adotarem o microplanejamento, permitindo que cada localidade crie suas próprias estratégias para aumentar a cobertura vacinal. Isso inclui vacinação em escolas, locais públicos e outros pontos de encontro da população. Estamos também combatendo a desinformação com o Movimento Nacional pela Vacinação, resgatando figuras como o Zé Gotinha e intensificando as campanhas para aumentar a confiança nas vacinas.
Notícias da Saúde Infantil — Observando a queda vacinal, quanto tempo será necessário para voltarmos aos níveis anteriores à crise?
Dr. Eder Gatti — O problema começou antes da pandemia, em 2016. Embora tenhamos avançado, ainda enfrentamos desafios como a circulação de sarampo em vários países, inclusive desenvolvidos. Em 2019, o Brasil teve um surto de sarampo, mas estamos nos aproximando dos 90% de cobertura para a tríplice viral. Ainda assim, a ameaça de novos surtos, devido à circulação da doença em outras partes do mundo, nos obriga a continuar melhorando.
Notícias da Saúde Infantil — Além da pandemia, houve outros fatores que contribuíram para a queda das coberturas vacinais?
Dr. Eder Gatti — Sim. Além da pandemia, houve um desmonte do complexo econômico-industrial da saúde, o que prejudicou o abastecimento de vacinas. Tivemos que reconstruir as relações interfederativas, necessárias para que estados e municípios colaborem com o programa de vacinação. O processo de recuperação envolve investimentos em atenção primária, recomposição de estoques e melhorias na Rede de Frio. O governo federal tem dado um apoio essencial. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, e o presidente Lula estão fortemente comprometidos com a política de vacinação, garantindo que ela volte a ser uma prioridade nacional. Esse apoio facilita os recursos e o planejamento necessários para as ações do PNI.
Notícias da Saúde Infantil — A desinformação foi um fator relevante nessa queda?
Dr. Eder Gatti — Sem dúvida. A desinformação, amplificada durante a pandemia, causou muita hesitação vacinal. Além disso, figuras políticas disseminaram informações incorretas, aumentando a desconfiança da população. Incorporar novas vacinas é ainda mais desafiador, pois qualquer novidade é alvo de resistência. Antigamente, isso não acontecia na mesma escala. Hoje, a comunicação é diferente, e as fake news circulam rapidamente, chegando às pessoas sem que elas busquem. Por isso, o Ministério da Saúde tem um comitê para monitorar e combater a desinformação em colaboração com outros órgãos, como o Ministério da Justiça.
Notícias da Saúde Infantil — O Programa Nacional de Imunizações (PNI) completou 50 anos recentemente. Qual o impacto desse programa na saúde infantil?
Dr. Eder Gatti — O PNI foi um divisor de águas na saúde da população em geral. A introdução de vacinas como a antipneumocócica e a meningocócica C transformou o cenário de doenças graves no Brasil. No Hospital Emílio Ribas, onde atuei, era comum termos vários casos de meningite antes dessas vacinas. Após a introdução da meningocócica C, em 2010, o impacto foi imediato, e em poucos anos os casos diminuíram drasticamente. Hoje, doenças como sarampo e poliomielite, que eram comuns, são raras graças ao PNI. Nosso último caso de paralisia infantil foi em 1989, por exemplo.
Notícias da Saúde Infantil — O senhor mencionou o uso de microplanejamento para melhorar o acesso à vacinação. Pode nos contar mais sobre essa estratégia?
Dr. Eder Gatti — O microplanejamento permite que cada município avalie suas necessidades e desenvolva estratégias personalizadas para aumentar a cobertura vacinal. O Ministério da Saúde capacitou estados e municípios para implementar essa metodologia, que inclui ações como vacinação em locais fora das unidades de saúde. Temos visto bons resultados em municípios que aplicaram corretamente o microplanejamento. Ao contrário das campanhas centralizadas e verticais, que nem sempre geram resultados uniformes, essa abordagem mais descentralizada e específica tem funcionado melhor.
Notícias da Saúde Infantil — Como a digitalização dos dados pode ajudar na gestão do PNI?
Dr. Eder Gatti — A integração dos dados de vacinação com a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) foi um avanço significativo. Agora, todas as informações de imunização estão registradas e cruzadas com outras bases de dados do Ministério da Saúde. Isso permite que os municípios saibam exatamente quem está com doses faltantes e possam tomar medidas mais diretas para melhorar a cobertura. Além disso, essa integração facilita o monitoramento de surtos e doenças, permitindo uma resposta rápida e eficiente. Com a RNDS, conseguimos criar uma base de dados nominal que também é usada para vigilância e tomada de decisões em políticas públicas.
Notícias da Saúde Infantil — Quais são as perspectivas futuras para o PNI e a saúde infantil no Brasil com o uso dessas ferramentas tecnológicas?
Dr. Eder Gatti — O futuro da vacinação está na inteligência artificial e no uso de dados. Com a integração dos sistemas e o cruzamento dessas informações com outras bases do governo, podemos criar estratégias de vacinação mais direcionadas e eficientes. A inteligência artificial ajudará a identificar as áreas com fragilidades e nos permitirá tomar decisões mais rápidas e precisas. Já conseguimos saber, por exemplo, quais municípios e faixas etárias estão com baixa cobertura vacinal e podemos direcionar nossas ações para esses grupos. Isso é essencial para garantir que toda a população tenha acesso às vacinas indicadas e, assim, melhorar a saúde infantil no Brasil.
Notícias da Saúde Infantil — Para finalizar, o que o senhor acredita ser necessário nos próximos anos para garantir um salto de qualidade na saúde infantil?
Dr. Eder Gatti — O PNI é uma parte importante, mas a chave para melhorar a saúde infantil no Brasil está na ampliação da atenção primária. Precisamos garantir que mais municípios tenham cobertura completa para proporcionar um acompanhamento contínuo das crianças, desde o crescimento até a nutrição. Com esses investimentos, conseguiremos alcançar melhores resultados a longo prazo. A ampliação da atenção primária e a recomposição de nossas capacidades logísticas são essenciais para garantir uma saúde infantil de qualidade no país. Vale ressaltar que tudo o que estamos fazendo agora no PNI só está sendo possível devido ao forte compromisso do atual governo com a vacinação.
Por Rede Galápagos
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