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Quebrei minha promessa…
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Quebrei minha promessa…

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29/10/2015
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Olá amigos do Blog Saúde Infantil, no mês de outubro comemoramos o dia do dentista. Para mim, uma data muito importante e, nesse ano, com um significado todo especial: comemoro 35 anos de formado. Foram anos de luta, dedicação e respeito a uma profissão que me deu tudo que tenho. Uma família maravilhosa, amigos sensacionais e momentos inesquecíveis. Ficaria horas escrevendo tudo que a Odontologia me proporcionou e como sou grato a Deus por ter me permitido atuar em uma área da saúde onde posso exercer minha atividade, promovendo bem-estar e construindo sorrisos.

Gosto de estudar. Nesses 35 anos de formado, pude me especializar em Odontopediatria, Implantodontia e Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais. Pude também concluir um mestrado e um doutorado nas áreas de Odontologia Social e Ciências Odontológicas. Agradeço aos meus pais por terem me proporcionado a oportunidade de estudar e hoje poder honrar toda educação que recebi deles. Foi com meus pais que, ainda criança, aprendi a noção de amar ao próximo e realmente não havia ensinamento maior.

Logo que conclui minha especialização em Odontopediatria, fui cumprir um estágio na Associação de Assistência a Criança Deficiente, em 1986. Queria aprender mais sobre “crianças especiais” que eu mal conseguia chegar perto, por não saber como agir. Até ali eu era um “meio” odontopediatra e, com quase zero de orientação, tive que me virar como podia. Mas foi um aprendizado sensacional, aprendi com meus pacientes e com seus pais e cuidadores, aprendi muito o significado do amor incondicional. Aprendi que poderia fazer a diferença para milhares de pessoas com deficiências e aquilo para mim não era apenas mais uma profissão, era a defesa de uma causa. A saúde bucal é essencial para emergir as pessoas com deficiências da eterna segregação, dependência e pobreza que se impõe por uma sociedade cada vez mais egocêntrica. Não era aquilo que eu tinha aprendido em casa.

Bem, lá na AACD pude realizar coisas inimagináveis em tempos de faculdade, pude perceber o quanto era importante para meus pacientes e quanto fui importante para meus estagiários e residentes, programa que criei em 1995. Eu tinha clara noção de que não conseguiria resolver aquela imensa empreitada sozinho e precisava de parceiros. Trabalhar com pacientes com deficiências neurológicas e intelectuais não é algo que se aprende em faculdade, com raríssimas exceções, sejamos justos. Eu precisava treinar aquele pessoal para me ajudar. E ali, no afã de resolver as encrencas que apareciam, me metia em cada enrascada, que me dão calafrios até hoje.

Uma dessas enrascadas, e foram inúmeras, era a extração de dente do siso em paciente com paralisia cerebral coreoatetóide. Calma, vou explicar. O paciente com essa deficiência geralmente é um paciente de cadeira de rodas, com uma movimentação exacerbada de toda a musculatura do corpo. Muitas vezes com o cognitivo preservado, o paciente não tem controle do tônus muscular. Resumindo, ele não para quieto na cadeira e mal consegue abrir a boca, e se travar com seu dedo dentro, corra para o hospital para não amputar.

Fazer uma extração de dente do siso impactado (dentro do osso) nesse paciente é uma tarefa meio maluca, beirando a irresponsabilidade, mas eu não tinha muita alternativa. O ideal seria em um ambiente hospitalar com sedação, mas isso não era tão fácil, então o que tínhamos para o momento era fazer na fé e na raça. Eram batalhas de mais de duas horas e, ao final do procedimento, não sabíamos se comemorávamos, tão quebrados que estávamos, eu e meus assistentes. De qualquer forma, eu me arriscava porque tinha a equipe de paramédicos e, se desse alguma zica, eles estavam à distância de um telefonema. Mas não dava, sempre deu tudo certo.

Pois bem, saí da AACD há três anos e prometi a mim mesmo não fazer mais essas estripulias, não sou mais tão jovem para me arriscar e no consultório não teria a quem recorrer rapidamente em caso de intercorrências. Mas quando você acha que já sabe todas as respostas, vem a vida e te faz novas perguntas. Não é que me aparece um garoto com aquela patologia que citei, vindo do interior, 4 horas de viagem distante de São Paulo?! E a mãe me pergunta: “Lembra-se dele, doutor? O senhor tratou dele no hospital há doze anos.” Não lembrava, apenas uma vaga lembrança da cidade de origem do rapaz, agora com 22 anos de idade. E um doce para adivinhar o que ele tinha… Claro, um dente do siso incomodando e debaixo de milímetros de osso. Radiografia? Impossível. Perguntei para a mãe: ele tem convênio? Resposta na ponta da língua: não, o pai desempregado e só o senhor pode me ajudar. Olhei pela janela do consultório, respirei fundo e pensei: “não pode ser, vou ter que quebrar minha promessa”.

Conversei com minhas assistentes, que são alunas do terceiro ano de Odontologia: “vocês vão ter uma oportunidade ímpar, mas rezem”. E fomos à luta. Depois de duas horas e meia, o siso estava ali na mão, ou o que restava dele. Não quero transformar esse post em um post piegas, mas ao final do procedimento minhas mãos tremiam, não sabia se apenas de cansaço ou emoção. Apenas sabia que uma LUZ estava ali me guiando. O sorriso da mãe e do garoto compensavam todo aquele esforço.

Nesses 35 anos, agradeço a todos que compartilharam desses momentos e a Deus pelas oportunidades, pelas encrencas e pela luz que continua me mostrando os caminhos que devo seguir.

Leia também: Minhas crianças especiais

Por Jose Reynaldo Figueiredo, pai da Marina e do Lucas. É responsável pela Clínica Sorrisos Especiais (sorrisosespeciais.com.br). Presidente da Associação Brasileira de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais – ABOPE. Especialista em Odontopediatria, Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais e Implantodontia. Mestre em Odontologia Social e Doutor em Ciências Odontológicas, pela FOUSP. Escreve para o Portal Local Odonto, adora correr maratonas e ser dentista de crianças.

Atualizado em 21 de agosto de 2024

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