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O ano começou e as férias chegaram também. Nessa época, muitos pais aproveitam para fazer a revisão da saúde bucal das crianças, mas às vezes acontecem situações que independem da época do ano e eles correm ao consultório por outras razões. E foram várias delas que aconteceram nesse último mês.
Logo no início do ano recebi uma mensagem de uma mãe preocupada porque havia uma “bolinha branca” na gengiva do filhote. Ela olhou e já deu o diagnóstico “acho que é uma fístula, porque já foi feita uma restauração no molar superior, tempos atrás”. A fístula dental é um abcesso formado na cavidade bucal, principalmente na gengiva, e decorre de alguma infecção na região. Simplificando, é uma forma do organismo expulsar o pus formado pela infecção. É bastante comum em dentes de leite que apresentam cáries profundas com comprometimento pulpar.
Pois bem, o menino foi ao consultório e… Nada de fístula. Aquela “bolinha branca” era a cúspide (pontinha do dente) do pré-molar que estava irrompendo, sem que o dente decíduo (de leite) tivesse caído. “Como assim?”, perguntou a mãe. Bem, em alguns casos, o dente permanente fica “louco” para sair e vai atropelando o dente de leite, e se não tiver muito espaço vai irrompendo pelos lados, mesmo que precocemente. O Gabriel estava com nove anos e, como o dente de leite já apresentava um pouco de mobilidade, optamos por extrair o dentinho.
Três dias depois, a mesma situação com a Carol, com seis anos. Ela apareceu com “algo estranho” por trás dos dentes incisivos inferiores. Bingo, nada mais do que outro dente permanente pedindo passagem. Mas o dente de leite não tem a raiz absorvida quando o dente permanente está por vir? Sim, mas tem aqueles casos em que não acontece isso. Essa é outra condição para se extrair o dente de leite, o dente permanente querendo aparecer e o decíduo segurando. E às vezes tem que tirar mesmo, porque não há quase nada de reabsorção de raiz. Se deixarmos o dente lá, sem remover o decíduo, o permanente vai formando mais raiz e fica mais complicado de tomar o lugar correto na arcada.
Semana passada apareceu a Bia, com um dentinho bastante cariado. Ao bater os olhos, pensei: “Xiiii, vai dar canal”! Depois da radiografia, comprovei. As raízes estavam enormes, sem sinais de reabsorção, o pré-molar longe para irromper, e a Bia estava com oito anos. Não teve por onde, tratamento de canal e restauração até a “hora” dele chegar.
Estou contando esses casos para vocês porque muitas vezes fazemos planos que são interrompidos pelo imponderável. A cronologia da erupção dentária não é uma ciência exata, longe disso. Por mais que existam tabelas que estabeleçam épocas de trocas de dentes, nem sempre acontece como imaginamos. Sei que é da natureza humana procurar o melhor padrão funcional, mas quando se trata de dentes o padrão estético parece sobrepor. Quem não quer os dentes alinhadinhos, branquinhos e sadios?
Mas para isso, também tenho uma boa história. Alguns anos atrás, um colega dentista me indicou um sobrinho que havia sofrido um traumatismo e quebrado o incisivo superior, o Dudu tinha quatro anos e meio. Ele havia fraturado a coroa inteira do dente, e mais uma vez tivemos que partir para o tratamento endodôntico (tratamento do canal). O Dudu comportou-se super bem e fizemos o tratamento conforme as regras. A regra seguinte seria colocar, em outra consulta, um pino intra-canal e a coroinha para restabelecer a estética e função.
No dia marcado para retorno meu amigo me avisou que o Dudu não viria porque estava super feliz. Como assim, ele está gostando de ficar sem dente? Aí veio a explicação, Dudu morava em uma rua e a maioria de seus amigos mais velhos, entre seis e sete anos, estava trocando os dentes. Ele se sentiu à vontade na turma, daquele jeito ele era “grande” também. Ao invés de se sentir deslocado, ele curtia a situação no meio dos banguelas. Hoje o Dudu é um cara bonitão e o bullying passou longe da infância dele.
A vida é assim, muitas situações que acreditamos serem críticas, sem solução naquele momento, passam e o resultado lá na frente pode ser bem mais feliz do que imaginamos. Os dentes são nossas “jóias do sorriso” (nossos anéis), às vezes se vão antes do tempo, mas a essência permanece, o sorriso permanece (nossos dedos). Mas, por favor, sempre tentem conservar os “anéis”, eles são uma grata lembrança da infância e os sorrisos proporcionados são para toda a vida.
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Por Dr. José Reynaldo Figueiredo, pai da Marina e do Lucas. É responsável pela Clínica Sorrisos Especiais (sorrisosespeciais.com.br). Presidente da Associação Brasileira de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais – ABOPE. Especialista em Odontopediatria, Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais e Implantodontia. Mestre em Odontologia Social e Doutor em Ciências Odontológicas, pela FOUSP. Escreve para o Portal Local Odonto, adora correr maratonas e ser dentista de crianças.
Atualizado em 8 de outubro de 2024