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Volta e meia comento sobre filmes ou séries envolvendo crianças e adolescentes e hoje volto ao assunto para falar sobre: “Adolescência”, uma nova minissérie que estreou no streaming Netflix no início de março.
A minissérie britânica trata da história de um jovem acusado de matar uma colega. São quatro episódios com cerca de uma hora cada, gravados em plano-sequência, o que faz com que você se sinta dentro da ação. O roteiro é um primor e as atuações são espetaculares como em geral nas séries inglesas.
Para nós brasileiros, a primeira cena da série é chocante e parece um absurdo, pois jamais aconteceria por aqui. Um batalhão de policiais, super armados se preparam e invadem uma casa no início da manhã. Para a surpresa, o assino procurado é um franzino jovem de 13 anos. Na sequência ele é levado sem grandes explicações, para uma delegacia. Tudo isso com a reclamação dos pais.
Ao garoto, sozinho, são feitas indagações e dadas pequenas explicações do que está ocorrendo, enquanto ele precisa tomar as decisões sobre o que perguntam. A bem da verdade, ele está acompanhado de um assistente social, que ele pode ou não querer que siga o caso. Esses são talvez os primeiros 10 minutos da série, que se desenrolará por 4 capítulos.
O primeiro é contado sob a perspectiva do garoto onde entendemos levemente o que aconteceu. Ele é acusado de matar uma colega da escola.
No segundo, 3 dias depois os policiais vão na escola de Jamie Miller (o garoto acusado) para ouvir os colegas e professores, neste temos a perspectiva da escola.
No terceiro, (para mim o melhor), é mostrada uma conversa de Jamie com a psicóloga perita contratada pela sua defesa, que ocorre sete meses após a prisão.
No último, que ocorre 13 meses do acontecimento, é aniversário do pai e o que vemos é a perspectiva da família, mostrando como o fato abalou cada um, o pai, a mãe e a irmã e sobre como cada um se sente em relação ao que poderia ter acontecido, onde será que erraram e o que poderiam ter feito diferente.
Recomendo essa série pois além de ser uma boa diversão como espetáculo de cinema, ela mostra um mundo real que toma conta dos nossos adolescentes e que muitas vezes não fazemos ideia.
Alertando, sobretudo, para os perigos do bullying e da cooptação de meninos por grupos com discursos misóginos e violentos na internet. Embora a história dos personagens seja fictícia, há uma trágica inspiração real por trás dela.
Um dos criadores da minissérie, Stephen Graham, que faz o papel de Eddie Miller (pai de Jamie), explicou que a ideia do roteiro surgiu de uma série de notícias de adolescentes que esfaquearam uma garota, deixando-o chocado e pensando: “O que está acontecendo na sociedade em que um menino esfaqueia uma menina até a morte?”, contou ele, dizendo que outras tragédias semelhantes aconteceram em seguida.
O aumento de casos como o mostrado na série, chocou tanto a opinião pública inglesa, que o primeiro-ministro Keir Starmer, declarou em janeiro deste ano que há um “novo terrorismo” no país, perpetrado por “jovens solitários e desajustados em seus quartos acessando todo tipo de material online, desesperados por notoriedade”, fazendo referência à cultura incel mencionada em alguns capítulos da série.
Incel se refere aos celibatários involuntários. A expressão vem da junção das palavras “involuntary celibates” e descreve homens jovens que se definem como “celibatários involuntários”.
Jack Peterson é um dos poucos “incels” abertos para falar com a imprensa pós o ataque que matou 10 pessoas em Toronto em 2018, ele tem um canal no YouTube e um podcast. O autor do ataque, o motorista, tinha feito uma postagem no Facebook dizendo que “a rebelião Incel já começou”.
As comunidades “incel” se desenvolveram em plataformas como Reddit, Facebook, 4chan e em sites administrados pelos próprios membros “incels”. Existem também grupos contrários aos “incels” que ridicularizam suas ideias. Também parece haver proximidade entre a cultura “incel” e o movimento antifeminista e hipernacionalista da extrema direita. Esses dois movimentos veem o mundo pela lente da genética de grupo, com estereótipos raciais, e se consideram grupos minoritários difamados injustamente e atacados pelo politicamente correto. E eles compartilham o mesmo senso de humor, praticamente sem filtros. A moderação de grupos “incels” tem sido um tanto permissiva. O Reddit fez tentativas de remover comunidades “incel” de sua plataforma, mas muitos grupos permaneceram online.
No Brasil, o que vemos são alunos sofrendo cyberbulling e a violência nas escolas, que as vezes causam a morte ou violência. Somos um país violento, basta ver os números do Fórum da Violência para notar que as mulheres e os negros estão na grande maioria das ocorrências.
Voltando a série, no segundo capítulo, o policial tem uma conversa com seu filho que estuda na mesma escola. Nessa conversa o menino dá uma aula sobre funcionamento das redes sociais, sobre o significado do emojis e sobre as cores. Tudo aquilo que a polícia via no Instagram dos jovens, assassinada ou acusado, não era o que parecia. É muito interessante.
Num tempo dominado com personagens como o presidente Trump ou o ex-presidente Bolsonaro, que não respeitam esse mundo de inclusão racial, de igualdade de gênero, e fazem apologia às armas e a violência em geral, esse tipo de movimento pode facilmente fazer a cabeça de uma criança ou de um adolescente. Por isso é importante que séries como essa atinjam o maior número de pessoas e que elas possam, mesmo que através de uma ficção, ter alguma ideia do mundo que vivem os adolescentes hoje em dia.
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