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Frente a oportunidade de visitar o Japão e ser, mais uma vez, tocada por uma cultura tão diferente e ao mesmo tempo tão fascinante, muitos elementos saltaram aos meus olhos.
Certa manhã, andava pelas ruas do centro de Osaka (cidade de 17,5 milhões de habitantes) e caminhávamos ao lado da principal estação ferroviária desse centro urbano altamente povoado. Vale ressaltar que o Japão tem uma das linhas ferroviárias mais sofisticadas do mundo: é possível ir a todos os lados do país através de trens e, nas grandes cidades, a malha férrea é capaz de te levar de um canto a outro sem grandes dificuldades. Esse era o cenário ao nosso redor, quando atravesso a rua e me deparo com uma bicicleta estacionada ao lado de outras tantas. O inusitado desta bicicleta em particular era o fato de possuir duas cadeirinhas: uma na frente do guidão do motorista e outra atrás do banco do ciclista. Em cada uma das cadeirinhas havia uma criança sentada – um bebê de, aproximadamente, 10 meses no assento da frente e uma criança de 3 anos no de trás. As duas crianças estavam agasalhadas, envoltas por uma capa que cortava o vento, aguardando o adulto responsável por elas retornar de algum lugar. Olhei admirada aquela cena por alguns instantes e pensei no quão curioso e incomum era aquele micro retrato dessa sociedade.
Recordei-me de um livro escrito por uma jornalista americana, chamado “Small Animals”. A autora narra sua experiência frente a perda da guarda de seu filho, depois de um episódio que o deixou no carro, estacionado em frente ao supermercado, por alguns minutos. Por algumas razões, que não me parecem relevantes a esse texto, ela se viu impedida de caminhar com a criança para dentro do estabelecimento. A criança então permaneceu dentro do carro, com o vidro entreaberto, aguardando a mãe que logo retornaria. Alguém que viu a cena daquela criança dentro do carro, a denunciou para o conselho tutelar. A consequência sofrida pela mãe e pela criança foi bastante impactante – ambos foram afastados pelo juizado de menores.
Na cena que vi no Japão, as crianças não estavam “abandonadas” pela figura do cuidador, pois na dimensão do coletivo – muito presente no Japão – cada cidadão que passava por aquelas crianças é, em alguma medida, corresponsável por elas.
Ao invés de condenarem as figuras parentais ao trabalho exclusivo do cuidado e do zelo pelas crianças, o que se observa é uma verdadeira aldeia urbana, em que todos são responsáveis belo bem-estar do outro. O coletivo de fato opera, funciona e cuida.
E aqui no Brasil, como poderíamos pensar essas tantas cenas?
Parece que a dimensão trágica está posta, pois o cuidado, quando pensado através da delegação de responsabilidade, se torna um lugar de culpabilização e fragilização das figuras dos cuidadores. Supomos que os pais serão capazes de dar conta da prole sozinhos e, ao falharem, serão sempre responsabilizados e desamparados pela estrutura social (des)organizada. O desamparo do coletivo se torna evidente. Há um descompasso no arranjo social. Vivemos na base do “vigiar e punir” ao invés do amparar e proteger.
Será que já não é hora de observarmos como funciona uma aldeia? Como podemos, de fato, sermos responsáveis pelas crianças e jovens da nossa sociedade?
Ainda está em tempo de fazermos uma nova sociedade para pais, filhos e comunidade.