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O título deste artigo é o mesmo que o proposto pela Sociedade de Pediatria de São Paulo, em sua campanha sobre distúbios da aprendizagem. Como professor de Psicologia do Desenvolvimento gostaria de fazer três comentários sobre este tema, destacando significações das palavras — conhecer, perceber e enfrentar. Mas, me permitam fazê-los, não na perspectiva dos adultos (profissionais e pais), responsáveis pelos cuidados e educação das crianças, mas, sim, segundo o ponto de vista delas mesmas, as crianças que sofrem tais dificuldades e que pagam um preço muito caro por isso.
A leitura, por exemplo, enquanto objeto de conhecimento supõe gramática, lógica, estrutura textual, etimologia, teorias linguísticas, etc. Na perspectiva de quem lê supõe compreensão e atribuição de significados, domínio de estratégias de leituras, etc. Conhecer sobre dificuldades de aprendizagem é, no mínimo, dispor de dados científicos sobre esse problema, processar tais dados gerando informações, informações a serem convertidas em conhecimentos, graças aos quais se pode ter uma boa percepção de sua magnitude e fazer tomadas de decisão sobre seu enfrentamento como problema pedagógico, médico, social e político.
O paradoxal, quanto a essa questão, é que crianças, de modo geral, e sobretudo as que têm dificuldades de interação com as coisas do mundo são excelentes leitoras dos gestos e dos sinais, por exemplo, produzidos pelas pessoas que cuidam de sua saúde e bem estar. Uma criança, já no primeiro ano de vida, sabe “ler”, no sentido de decifrar e antecipar reações, indícios do rosto de sua mãe (sinais feitos pela mãe de que está alegre, triste, brava, que vai sair, etc.). A medicina dispõe, hoje, de tecnologia para avaliar as quão boas “leitoras” de gestos são uma criança, tão pequenina. Criança essa que, aos seis ou sete anos poderá ter muita dificuldade em ler imagens e palavras em um papel ou tela.
O fato é que ler, no sentido de ler palavras e imagens (leitura textual), é mais do que perceber, pois implica também em atribuir significados, relacionar palavras e sinais entre si, coordenando-os como partes de um mesmo todo, dominar técnicas ou estratégias de leitura (ler depressa, devagar, ler em voz baixa ou em voz alta, resumir, destacar as palavras principais, saber dizer ou resumir o que foi lido com as próprias palavras, saber usar o dicionário, etc.).
O fato é que dificuldades de aprendizagem da leitura, para ficarmos em nosso exemplo, tem uma história prévia a ser considerada. Crianças que apresentam problemas em seu processo de alfabetização, não raro pertencem à famílias cujos pais também têm dificuldade para ler, que leem muito pouco, que não dispõem de livros em suas casas, que não leram ou contaram histórias para elas, enfim, são crianças que pertencem a um contexto familiar em que a leitura é pouco praticada, por diversas razões.
Trata-se, portanto, de um fator “externo”, muito frequente, infelizmente, e que demanda uma forma de enfrentamento diferente do fator “interno” à criança. Ou seja, há crianças que têm dificuldades de aprender porque tem problemas ou defasagens em seu processo de desenvolvimento físico, neurológico, cognitivo, afetivo ou emocional, cultural e social. Uma coisa é avaliar problemas pedagógicos ou didáticos relacionados ao professor que ensina, outra é avaliar problemas relacionados à criança que aprende.
Neste segundo caso, muito esperamos da medicina em suas diversas especialidades no campo da pediatria. Há, ainda, uma terceira possibilidade. Pode ser que os problemas de aprendizagem da criança sejam devidos ao seu contexto familiar, às limitações escolares de seus pais ou às suas dificuldades de fazerem uma boa gestão dos processos de aprendizagem escolar de seus filhos. Em quaisquer dos casos, enfrentar implica em tomar decisões práticas que visem à compreensão e superação de problema tão grave.
Para concluir, trata-se de problema grave porque dificuldades de aprendizagem, se não conhecidas, percebidas ou enfrentadas a contento, criam desigualdades sociais, econômicas, políticas e de autocuidado com grandes consequências tanto para as pessoas que sofrem tais dificuldades bem como para toda a sociedade.
E pensar que essas dificuldades, agora transferidas para o problema da leitura digital e manejo das tecnologias que lhe dão suporte, podem aumentar ainda mais o fosso que separa as pessoas que dominam a cultura textual daquelas (infelizmente, a maioria da população brasileira) que, mal e mal, dominam tal cultura.
Saiba mais: Junho púrpura: distúrbios de aprendizagem escolar