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Eye Tracking, para auxílio do diagnóstico de TEA: levado até as creches, o equipamento consegue rastrear para onde e por quanto tempo a criança foca o seu olhar diante de imagens projetadas. Foto: Mário Rodrigues
Mães e pais de filhos com TEA (Transtorno do Espectro Autista) vivem num labirinto até descobrir o que o seu pequeno tem, um tal de ir e vir de pediatras que muitas vezes não escutam o que a família diz, ou ficam em dúvida porque a criança pode dar sinais confusos. Para famílias de baixa renda a situação, claro, é muito mais complicada. Os tratamentos são caríssimos, inacessíveis para boa parte da população. A fila de espera do SUS até conseguir uma primeira consulta com o neurologista passa de dois anos. E, quanto mais o tempo corre, o sofrimento — da criança e de quem cuida dela — mais aumenta.
Foi pensando numa forma de fazer o diagnóstico precoce e ainda ajudar a população carente que o PENSI criou o projeto de pesquisa Eye Tracking/Pronas, ideia que começou a ser desenhada pela dra. Joana Portolese, psicóloga e pesquisadora principal do projeto, e pelo dr. Edson Amaro Jr., neurocientista e assessor científico do Instituto PENSI. O PENSI inscreveu o projeto no Pronas (Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência, do Ministério da Saúde) em 2017 e desde outubro de 2021 ele está sendo conduzido em nove creches da Zona Sul de São Paulo para rastrear possíveis casos de autismo entre mil crianças de zero a quatro anos de idade. Uma turma apaixonada de neuropsicólogas está mergulhada nesse trabalho inédito no Brasil, que, além do diagnóstico, também fornece terapia para as crianças e capacitação para os professores das creches e para as famílias dos autistas.
De olhos bem abertos — Tudo começa com o uso do Eye Tracking, um equipamento portátil levado até as creches que consegue rastrear para onde e por quanto tempo a criança foca o seu olhar diante de imagens projetadas. No caso, vídeos em que aparecem um ator e um brinquedo, imagens alternadas, várias vezes. Em alguns momentos o ator indica com o olhar onde estão os brinquedos. Se a criança foca sempre no brinquedo e nunca no olhar do ator, aí tem. A falta dos olhos nos olhos, do contato visual com as pessoas, costuma ser um indício importante de autismo. “Em outra tarefa, são vídeos com objetos geométricos que mudam de forma, passeiam pela tela, ou de crianças interagindo em uma atividade (é um vídeo de estímulo social)”, explica Yasmine Martins, neuropsicóloga coordenadora do projeto. A equipe observou que as crianças com TEA olhavam para as formas geométricas e não davam a mínima para as cenas de estímulo social.
Bem, só isso não seria suficiente para diagnosticar o autismo, já que o TEA, como a gente sabe, tem muitas sutilezas; cada criança é única e os sintomas podem variar demais. Então as crianças ainda passam também por uma avaliação chamada CARS (Childhood Autism Rating Scale, ou Escala de Avaliação do Autismo), um questionário com 15 itens aplicado por psicólogas especializadas em análise de comportamento. Em cada creche participante do projeto foi montado um pequeno consultório, e ali, entre brincadeiras ou batendo papo com os maiorzinhos, as psicólogas observam se eles conseguem imitar, perguntam quem sabe tomar banho sozinho, se pentear etc. Depois que passam pelo equipamento e pela entrevista, os pequenos com suspeita de autismo são avaliados pelo dr. Carlos Takeuchi, neuropediatra e chefe da neurologia do Hospital Sabará, que dá o diagnóstico final.
Os primeiros resultados — Até este momento, 624 crianças foram avaliadas e 42, diagnosticadas com que o que os profissionais de saúde chamam de desenvolvimento atípico (suspeita de TEA). “Onze dessas crianças nem olharam para as telas, outro importante sinal de TEA”, conta Yasmine. Aí entra o segundo e fundamental capítulo dessa história: as crianças diagnosticadas recebem, por um ano, a terapia ABA (Applied Behaviour Analysis, ou Análise do Comportamento Aplicada), considerada a mais eficiente para quem tem TEA. Ela reforça os comportamentos positivos dos autistas, o que auxilia um bocado na sua independência. A terapia é feita na própria creche, para que os pequenos autistas se sintam confortáveis. Os professores também são capacitados para aplicar a ABA, o que não apenas ajuda na formação deles e no cuidado com as crianças agora, como facilita que eles reconheçam, nos alunos futuros, traços de autismo, e assim possam lidar melhor com a situação.
As mães e pais também são capacitados para a ABA, estudam, fazem provas, ganham notas. Isso é fundamental porque o autismo é uma condição crônica e são eles que passam mais tempo com as crianças. Especialistas afirmam que o tratamento de autismo exige pelo menos 40 horas semanais. “Essas horas incluem o momento em que a criança está na terapia, o momento em que está na escola e os momentos que ela passa com os pais. É importante que eles saibam aplicar a ABA também”, diz Fernanda Lima, gerente de pesquisa do PENSI.
Essa filosofia de cuidado integrado e de ampliar o tratamento do TEA para além das instituições, em ambientes como creches e escolas, está em sintonia com o novo guideline (guia de condutas) mundial do autismo lançado no ano passado. O guia também enfatiza a importância do diagnóstico precoce, mais um ponto em comum com o projeto Eye Tracking/Pronas. “É um projeto que nos enche de orgulho, inovador, uma proposta de diagnóstico precoce e de maior integração da criança com a sociedade. Vem ao encontro da nossa missão aqui no PENSI, que é promover uma infância saudável para uma sociedade melhor”, fala Fernanda.
A transformação — As pequenas e grandes mudanças podem se espalhar de muitas formas. Como a história da mãe do Vitor, quatro anos, que estava muito angustiada quando levou seu único filho para a consulta com o dr. Carlos Takeuchi. “Essa mãe chorava convulsivamente, fiquei preocupada, depois troquei várias mensagens com ela”, conta Yasmine. A mãe acabou sendo a aluna mais dedicada na capacitação da terapia ABA, fez todas as aulas e tirou 100 nas provas. Boa em trabalhos manuais, resolveu ela mesma confeccionar objetos que auxiliam no desenvolvimento dos autistas, como garrafas sensoriais. “São garrafas com água e glitter que ajudam a estimular os sentidos”, observa Yasmine. Deu tão certo que ela recebeu encomendas de outras mães e hoje, além de saber muito mais sobre como lidar com o autismo do filho, ganhou uma profissão. Esse projeto vai longe.
Por Rede Galápagos
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