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Frequentemente, os pediatras lidam com a expectativa dos pais em relação à solicitação de exames laboratoriais de rotina, com a finalidade de constatar a boa saúde da criança ou reconhecer problemas silenciosos. Na experiência da equipe do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares (CENDA), pais de crianças com qualquer problema alimentar, como uma seletividade alimentar ou pouco apetite, têm um interesse ainda maior na realização de exames de “check up” periodicamente, apesar de relatarem que seus filhos são bem ativos, nunca ficam doentes e vão bem na escola. É verdade que os exames laboratoriais podem auxiliar na avaliação do risco para uma doença, no diagnóstico e na monitoração de problemas de saúde em crianças e adolescentes. Porém, os exames complementares são – como o próprio nome diz – complementares à consulta! Eles auxiliam no estabelecimento de diagnósticos que a avaliação clínica e o exame físico não são capazes de estabelecer sozinhos.
Durante o acompanhamento de rotina da criança e do adolescente com seu médico(a), podem surgir problemas que demandem a solicitação de exames complementares. Mas nesse assunto, o ditado popular “mais vale prevenir do que remediar” nem sempre é verdadeiro! Na prática, a maioria dos problemas de saúde são benignos e o diagnóstico pode ser feito sem exames adicionais de laboratório. Estratégias e práticas médicas preventivas têm tantos benefícios quanto riscos e é preciso estabelecer um balanço apropriado para escolher para quem e quando pedir exames, e quais exames pedir. É importante saber que, com os avanços dos estudos voltados às crianças e adolescentes, as recomendações de atenção à saúde dessa faixa etária são constantemente revisadas e atualizadas. Por isso, exames que antes eram solicitados rotineiramente pelos pediatras, como exames de fezes e urina em crianças assintomáticas, não são mais indicados na rotina de puericultura.
Quando é importante fazer exames de laboratório de rotina em crianças?
De acordo com as evidências científicas, exames de “check-up” fazem sentido se: 1. Leva-se em conta a história individual de casa paciente, 2. Os exames são solicitados em um momento em que o diagnóstico precoce permite uma melhor evolução da doença pela oportunidade de intervenção rápida a partir da sua identificação. Outros aspectos também são considerados pelos médicos pediatras no momento de decidir sobre a indicação de exames de rotina para crianças e adolescentes:
Que evolução tem os casos sem tratamento?
Em que o diagnóstico precoce beneficia?
O que acrescenta em qualidade de vida?
Qual é o custo-benefício?
Ainda há muitas dúvidas sobre esse tema na área da Pediatria. Porém, todo o profissional de saúde que cuida de crianças concorda que a melhor forma de prevenir, identificar e diagnosticar problemas de saúde de forma precoce é realizando um bom acompanhamento clínico, seguindo o calendário de consultas de rotina. Em cada consulta, a equipe de saúde vai pedir informações sobre como a criança se alimenta, se as vacinas estão em dia, como ela brinca, se dorme bem, como funciona seu intestino, condições de higiene, seu cotidiano etc. O acompanhamento do crescimento, por meio da medida do peso, da altura e do perímetro cefálico e sua análise em gráficos, é um ótimo indicador das condições de saúde das crianças! Por outro lado, a solicitação rotineira (anual, semestral…) de exames de laboratório para pesquisa de doenças em crianças saudáveis, com crescimento adequado, ganho de peso adequado e que se desenvolvem bem, é uma medida que não funciona para proteger e promover a saúde. Apenas na minoria dos casos, essa prática tem alguma relação cientificamente comprovada com maior bem-estar, saúde e longevidade na vida adulta.
E se meu filho tiver uma problema grave, como uma anemia, com vamos saber?
Mesmo para doenças como a anemia por deficiência de ferro, um problema tão antigo quanto frequente em crianças do mundo todo, não há consenso dos especialistas e dos estudos a respeito da indicação de exames de rotina em todas as crianças para diagnóstico precoce. A melhor estratégia consiste em avaliar simultaneamente as características da criança e do lugar onde ela vive, a frequência do problema na população e os fatores que aumentam ou diminuem o risco do desenvolvimento da doença em cada caso. De acordo com as últimas definições da Sociedade Brasileira de Pediatria (2021), a investigação laboratorial de deficiência de ferro deve ser realizada aos 12 meses em todas as crianças.
Mas não é melhor garantir e “pecar pelo excesso”?
Atualmente, a ampla variedade de tipos de exames e dos valores considerados por cada laboratório e fabricante como “alterados” pode levar à classificação errada de crianças saudáveis como indivíduos doentes. Isso ocorre com muita frequência em Pediatria, uma vez que os valores de referência (resultados considerados normais) utilizados na faixa etária pediátrica costumam ser menos definidos do que são em adultos, e compreendem um intervalo muito maior de normalidade. A dosagem de vitamina D no sangue é um bom exemplo de exame que traz esse tipo de desafio na análise dos resultados.
Outro tipo de exame que desperta cada vez mais o interesse dos pais são os painéis de alergias alimentares. Quando realizados em pacientes que não apresentam um histórico de sintomas compatíveis com um quadro de alergia alimentar, exames desse tipo não são úteis e não confirmam o diagnóstico de alergias alimentares em crianças. Atualmente, especialistas na área de alergias alimentares não recomendam a realização desses exames em situações rotineiras.
E se estiver faltando algum nutriente ou vitamina que meu filho precisa tomar?
Alguns aspectos são especialmente importantes em relação aos exames que medem os níveis de vitaminas e nutrientes no sangue, pois limitam a utilidade de exames indicados como “check-up” em crianças assintomáticas:
– Os resultados dos exames laboratoriais nem sempre revelam a quantidade total de alguns elementos no nosso organismo, pois uma parte está circulando livre na corrente sanguínea, e outra parte está depositada em órgãos e tecidos ou ligada a outros elementos.
– Nem sempre a quantidade que circula no sangue está realmente disponível para ser aproveitada pelo organismo; nem sempre o organismo é capaz de aproveitar tudo o que está disponível!
– Alterações do estado de saúde da criança, como infecções e desidratação, interferem nos resultados dos exames.
– Alterações dos resultados dos exames nem sempre têm um significado relevante ou requerem qualquer tratamento. Variações de faixa de normalidade em pacientes sem deficiências nutricionais são comuns em crianças.
– A decisão sobre a indicação da suplementação é realizada de forma adequada apenas a partir da avaliação nutricional, que pode ser complementada pelos exames laboratoriais. A suplementação não é necessária quando a alimentação é variada e contempla todos os grupos alimentares em uma criança sem problemas médicos ou fatores de risco.
Concluindo, os exames laboratoriais podem agregar e enriquecer a investigação e o diagnóstico de condições de saúde na infância, mas especialmente quando realizados em crianças saudáveis, devem ser indicados e interpretados de forma criteriosa e sensata, possibilitando uma intervenção benéfica e adequada para cada caso.