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Quem passou pela infância e teve pais que incentivaram a ideia natalina, ainda se recorda de como era gostosa a época do Natal, a cartinha, a expectativa, o colocar o sapatinho para que o Papai Noel soubesse para quem dar os presentes, a vontade de flagrá-lo! Lembro-me bem dos preparativos que começavam ao enfeitar a casa, naquela vontade de acreditar, de fazer tudo bonitinho para que o bom velhinho não faltasse. Nunca consegui acreditar no coelho da Páscoa. Era muita informação: um coelho que distribui ovo de chocolate, pulando (ou não)! Nunca engoli muito isso.
Mas talvez porque a ideia de um senhor barbudo, de bochechas rosadas, com um trenó voador carregado de presentes tenha se tornado tão universal que todos nós conseguíamos visualizar e até acreditar. Gostava de ir para a janela e ficar vendo se conseguia enxergar o trenó, o Papai Noel… E eu via! Muitas vezes! Qualquer luzinha vermelha (de avião normalmente) era ele voando pelos céus. Lembro-me da minha prima me dizendo que tinha visto uma bota preta na nuvem na noite do Natal e acreditando piamente nisso!
Fiquei alguns anos, talvez dois, questionando a impossibilidade dessa existência. Essa decisão de acreditar ou não acaba sendo adiada ao máximo porque é uma passagem tão importante da criança para a “mocinha” (no meu caso), que não é mais tão pequenininha e que crê em Papai Noel. É um momento difícil sim, de sair da total ingenuidade infantil para uma mais elaborada. Por isso, brincamos com o acreditar em Papai Noel, como adjetivo para crentes, para ingênuos.
Estava pensando: sou de uma família muito religiosa e fui criada acreditando em um Deus que tudo vê, que está em todo lugar. Sem apologia a qualquer culto ou fé, como acreditar em seres assim, superiores, invisíveis, se a pequena crença de Papai Noel não é estimulada? Difícil. E sempre tem algo para acreditarmos, mesmo que seja para questionarmos. Há, afinal, muitas perguntas ainda a serem decifradas e o ser humano acaba por creditar ao divino, ao oculto, ao insabível.
Vejo por aí alguns pais que acham que tudo deve ser explicado racionalmente, não querendo mentir para o filho e acabam por não deixá-los acreditar na fantasia. Claro que mentir é feio. Mas contar histórias de fadas, deixar um presentinho para a fadinha do dente ou esconder os ovos fingindo ser o coelho da páscoa é mentir? É enganar? Ou é apenas desenvolver a imaginação e cultivar a fantasia infantil, preservando sua inocência? Criança tem que ser criança, o mundo adulto é para os adultos. Eles terão sua hora de encarar a vida adulta a seu tempo.
Quando a criança se veste de princesa ou o menino de super-herói eles estão fantasiando. O mesmo acontece quando pegam um carrinho e fingem que ele voa, que dá trombada. Ou quando de uma caixa de sapato ou de almofada se faz uma casinha para as bonecas. Eles estão imaginando. E como isso é bom. E necessário. A imaginação é fundamental. Leva à criatividade! Se não temos essa competência desenvolvida, não criamos. Impossível inventar algo se não conseguimos abstrair. Permitir inventar com uma roda um meio de transporte, por exemplo.
Aliás, a própria figura que é veiculada mundialmente do Papai Noel, com aquelas bochechas gordinhas e vermelhas com olhos azuis brilhantes, surgiu da criatividade de um funcionário da Coca-Cola que, à época do Natal, queria fazer uma propaganda vinculando a marca ao velhinho. Até então havia várias imagens dele, com roupas diferentes, com diversos rostos. Ele encontrou um senhor que trabalhava na empresa e, utilizando sua imaginação, viu em seu rosto a expressão de um Papai Noel. A figura que criaram foi tão forte que perpetua até hoje na mente de todos.
Preservando a fantasia, a crença no impossível das crianças, só estaremos permitindo que elas se desenvolvam de uma forma saudável. Como sempre cito, dando a elas ferramentas para a vida. Não é deixá-las viver no mundo irreal para tudo. Isso não é saudável. Não podemos estimular um menino que acha que realmente pode voar com a capa do Super-Homem para que não se jogue da janela. Não é menosprezar sua inteligência, mas eles, no fundo, mesmo que inconscientemente, sabem discernir o que é real do que é irreal. Mas um pouco de crença em fadas, Papai Noel e Coelho da Páscoa só irá somar, só irá lhes dar brilho, alegria, leveza, capacidade de lidar com situações difíceis. Tudo é questão de equilíbrio, algo que na educação deve estar sempre.
E não há motivo para preocupação, afinal, não existem adultos, sem comprometimento psíquico claro, que acreditem neles. Há a passagem da infância para a pré-adolescência, a adolescência, mundo adulto que, naturalmente, faz com que isso fique para trás. Como uma gostosa recordação de infância que sempre deve ser preservada como uma época muito feliz e inocente.
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Por Letícia Rangel, psicóloga
Atualizado em 23 de maio de 2024
mensagem enviada
não sei por que eles mentem tanto