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Adversidade na primeira infância e os impactos do racismo na saúde
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Adversidade na primeira infância e os impactos do racismo na saúde

Adversidade na primeira infância e os impactos do racismo na saúde

09/06/2021
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Desigualdades nos resultados de saúde pública impõem custos humanos e econômicos substanciais em todas as sociedades, e isso é dramático quando a desigualdade é enorme como no Brasil. A relação entre adversidade precoce na infância e bem-estar ao longo da vida apresenta uma rica estrutura científica para um pensamento novo sobre a promoção da saúde e prevenção de doenças em geral, ampliado por um enfoque mais profundo em como o racismo influencia disparidades mais especificamente.

Numa revisão realizada pelo professor e amigo Jack Shonkoff, encontra-se uma visão geral dos avanços na biologia da adversidade e resiliência através das lentes da primeira infância, seguida por uma visão geral dos efeitos únicos do racismo na saúde e uma revisão seletiva dos resultados da pesquisa de intervenção relacionada.

A saúde e o desenvolvimento de crianças pequenas são moldados por um processo de adaptação contínua e interativa (nos níveis molecular, celular, de sistema orgânico e comportamental) que começa na concepção e se estende ao longo da vida. A plasticidade subjacente que influencia essa capacidade adaptativa e que diminui com a idade, pode levar a uma ampla gama de resultados positivos ou negativos que são influenciados pelas ​​interações entre as predisposições genéticas individuais e os ambientes nos quais o desenvolvimento se desenvolve.

O estresse positivo foi definido como uma resposta fisiológica (por exemplo, frequência cardíaca e pressão arterial elevadas) a estressores normativos (por exemplo, lidar com a frustração) que é breve e de magnitude leve a moderada. O estresse tolerável está associado a experiências não normativas que apresentam maior dificuldade ou ameaça (por exemplo, morte ou doença grave em um familiar) com a disponibilidade de pelo menos uma relação de proteção que proporciona uma sensação de segurança, o que facilita a restauração de respostas fisiológicas ao estresse a linhas de base homeostáticas. O estresse tóxico, em contraste, é o resultado da ativação forte, frequente ou prolongada dos sistemas de resposta ao estresse na ausência da proteção de uma relação de suporte. O estresse tóxico não é definido pela fonte ou tipo de estresse. É definido pela magnitude e duração da resposta biológica ao estressor

Uma extensa pesquisa sobre a associação entre adversidade na infância e disparidades na saúde ao longo da vida demonstrou consistentemente uma relação linear entre o número de fatores de risco e a probabilidade de resultados ruins. O conceito resultante de carga cumulativa de risco, em vez de ponderação diferencial de fontes específicas de adversidade ou ameaça, levou a uma atenção limitada aos desafios exclusivos apresentados por fontes significativas de adversidade que requerem estratégias distintas de intervenção preventiva. Já é tempo de nos concentrarmos nos impactos únicos do racismo nas bases da saúde física e mental. Acredito que o mesmo seja válido no Brasil, onde os problemas raciais se confundem com os problemas sociais, mas precisamos combater também nosso racismo estrutural.

A importância crítica dos esforços para abordar as desigualdades estruturais moldadas pelo racismo sistêmico e outras influências de nível macro na saúde física e mental é clara. A ciência da adversidade e resiliência sugere que um maior progresso na promoção da saúde e prevenção de doenças em escala também exigirá estratégias eficazes para abordar a sensibilidade diferencial à adversidade nos primeiros anos das crianças. Enquanto a comunidade científica continua a buscar maior compreensão da variação individual, a prática eficaz de saúde pública exigirá atenção para diminuir a plasticidade do desenvolvimento ao longo do tempo.

As estratégias atuais focadas no acesso a cuidados médicos de alta qualidade e programas para a primeira infância focados em crianças e famílias são importantes, mas devem ser aumentadas por um foco mais intencional e na contracorrente das múltiplas formas em que o racismo estrutural e cultural e padrões profundamente enraizados de discriminação criam condições físicas, sociais e econômicas que ameaçam desproporcionalmente o desenvolvimento saudável de crianças de cor e suas famílias.

Em algumas circunstâncias, membros de grupos estigmatizados respondem a estereótipos raciais negativos generalizados, aceitando-os como verdadeiros. Esse endosso das crenças da sociedade dominante sobre a inferioridade inata ou cultural de alguém é chamado de racismo internalizado ou auto estereótipo. A pesquisa indica que o racismo internalizado está associado a baixa autoestima e bem-estar psicológico e níveis mais elevados de consumo de álcool, sintomas depressivos e obesidade. Identificar a idade mais precoce em que esse processo de internalização pode começar é essencial para uma intervenção preventiva.

Adversidades significativas no início da vida podem minar as bases de um desenvolvimento saudável. Os potenciais precipitantes incluem as dificuldades socioeconômicas da pobreza e do racismo; as ameaças psicossociais de maus-tratos a crianças e violência comunitária; os desafios interpessoais da depressão materna e vícios dos pais; as perturbações fisiológicas da poluição do ar, água contaminada e outros tóxicos ambientais; e as consequências metabólicas da má nutrição. Nenhuma dessas condições invariavelmente leva a uma resposta ao estresse tóxico, mas cada uma pode ser um fator predisponente potente para deficiências permanentes na saúde física e mental.

Décadas de pesquisas sobre adversidade e resiliência sugerem que o número de fatores de risco ou fontes de adversidade é um indicador mais forte de problemas de saúde e desenvolvimento do que uma ponderação diferencial de adversidades específicas. Apesar desta evidência, os fardos únicos e substanciais que as tensões do racismo estrutural, cultural e interpessoal impõem na vida diária das famílias que criam filhos negros pequenos fornecem um argumento convincente para repensar a crença convencional no acúmulo genérico de adversidade versus a ameaça distinta de marginalização social, econômica e política profundamente enraizada à saúde física e mental.

A evidência impressionante de desigualdades raciais e étnicas na prevalência, complicações e taxas de mortalidade da pandemia da doença coronavírus 2019 (COVID-19) direcionou a atenção crescente para muitas das persistentes desigualdades sociais e estruturais (por exemplo, moradias superlotadas, serviço de linha de frente empregos, acesso desigual a cuidados médicos) que comprometem a saúde e o desenvolvimento das pessoas de cor nos Estados Unidos. No Brasil, isso não ficou tão evidente, embora tenha sido levantado.

Famílias e comunidades desempenham um papel crítico na proteção de crianças pequenas dos estressores externos do racismo, evitando assim as interrupções fisiológicas internas de uma resposta ao estresse tóxico. A atenção primária à saúde tem um papel vital a desempenhar no tratamento da importância fundamental da sensibilidade diferencial à adversidade e suas implicações para abordagens individualizadas e centradas na família para fortalecer as bases do desenvolvimento saudável. O desafio enfrentado pela comunidade de saúde pública é dar mais atenção, em nível social, à necessidade essencial de confrontar as influências patogênicas do racismo estrutural e cultural por meio de uma lente na primeira infância.

Fonte:

Annual Review of Public Health

Vol. 42:115-134 (Volume publication date April 2021)

Early Childhood Adversity, Toxic Stress, and the Impacts of Racism on the Foundations of Health

Jack P. Shonkoff,1,2,3,4 Natalie Slopen,1,2 and David R. Williams1,2,5

Dr. José Luiz Setúbal

Dr. José Luiz Setúbal

(CRM-SP 42.740) Médico Pediatra formado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com especialização na Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduação em Gestão na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Pai de Bia, Gá e Olavo. Avô de Tomás, David e Benjamim.

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