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As lições que o caso de Archie Battersbee pode nos dar
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As lições que o caso de Archie Battersbee pode nos dar

As lições que o caso de Archie Battersbee pode nos dar

25/08/2022
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Archie Battersbee, se você nunca ouviu falar, era um lindo adolescente de 12 anos, morador do Reino Unido. Ele morreu no início de agosto, após ficar em coma por mais de quatro meses por causa de uma brincadeira estúpida iniciada nas redes sociais.

A primeira lição que gostaria de trazer é a de que os pais devem tomar cuidado com o que seus filhos fazem nas redes sociais. Os desafios entre adolescentes estão cada vez mais comuns e os perigos também estão aumentando. Desta vez, foi o “Blackout Challenge” no TikTok, onde os usuários são incentivados a prender a respiração até desmaiar devido à falta de oxigênio.

Sinais de que uma criança pode estar tentando o TikTok Blackout Challenge, que também pode ser chamado de “desafio do apagão” ou “desafio de asfixia” ou ainda “desafio de desmaio”:

  • Olhos vermelhos;
  • Marcas no pescoço;
  • Dores de cabeça severas;
  • Desorientação depois de passar um tempo sozinho;
  • Cordas, lenços e cintos amarrados à mobília do quarto ou maçanetas ou encontrados amarrados no chão;
  • Presença inexplicável de coisas como coleiras de cachorro, coleiras de estrangulamento e cordas elásticas.

O problema é que esse é só um entre muitos outros desafios que andam pelas redes sociais e não só no TikTok (já escrevemos sobre isso, confira no final do texto).

A segunda lição que podemos tomar é até onde devemos lutar para manter uma pessoa querida viva, se é que podemos chamar a situação que Archie se encontrava de vida.

Foto: Hollie Dance

Sou católico e como tal encaro bem a morte, e como cristão, aceito bem as palavras da oração ensinada por Jesus, o “Pai nosso”, que prega: “Seja feita a vossa vontade. Como pediatra há 40 anos, vi e acompanhei muitas crianças morrerem. Posso falar que nunca é fácil, nem para as famílias nem para os profissionais de saúde que acompanham aquele paciente e sua família. Tenho empatia com a família Battersbee, posso entender sua dor, pois perder um belo menino, ainda brotando para a vida e de maneira tão sem sentido deve ser inconsolável.

A terceira lição é consequência da segunda, mas é sob o ponto de vista do profissional de saúde. Até que ponto nós médicos, nós hospitais, nós profissionais de saúde podemos manter um paciente vivo. Os cuidados de Archie tornaram-se objeto de semanas de discussões legais, enquanto seus pais tentavam forçar o hospital a continuar os tratamentos de manutenção da vida e os médicos argumentavam que não havia chance de recuperação. Decisões anteriores da justiça britânica concordaram com a recomendação médica, mas estenderam o prazo para permitir que os pais entrassem com novos recursos. Se você não lembra do caso de Charlie Gard, leia a história no link abaixo.

A disputa é o mais recente caso do Reino Unido que coloca o julgamento dos médicos contra os desejos das famílias. De acordo com a lei britânica, é comum que os tribunais intervenham quando pais e médicos discordam sobre o tratamento médico de uma criança. Nesses casos, o melhor interesse da criança tem primazia sobre o direito dos pais de decidir o que eles acreditam ser o melhor para seus filhos.

Difícil decisão, pois entram vários fatores para a sociedade colocar em questão. Por exemplo:

  • Como sociedade, quanto estamos dispostos a gastar em tratamentos e em recursos com um indivíduo que não tem chance de viver?
  • Qual é o limite de um tratamento fútil? (Uma definição: ação médica cujos potenciais benefícios para o paciente são nulos ou tão pequenos ou improváveis que não superam os seus potenciais malefícios.)

Essas são só duas questões bem básicas que nós devemos nos questionar enquanto não envolvem um ente querido. E, se acontecer conosco, possamos tomar uma decisão que satisfaça a nossa vontade e a da pessoa em questão, muitas vezes incapaz de tomar sua decisão porque perdeu a autonomia.

No Sabará Hospital Infantil, contamos com uma equipe de Cuidados Paliativos Pediátricos que acompanham nossos pacientes mais complexos e suas famílias, não necessariamente terminais. Como gestor principal da instituição, procuro lembrar sempre que a Bioética tem quatro princípios que devem ser analisados para resolver dilemas éticos sobre atendimentos ou tratamentos de saúde. Os princípios são autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça.

Não são princípios fáceis de definir e não são claros para todos nós, pois tem variações culturais, filosóficas, religiosas, entre outras. Para isso, contamos com um Núcleo de Estudos em Ética, que se reúne em reuniões abertas aos interessados toda última quarta-feira de cada mês. Já chegamos a 60 “Diálogos de Bioética”, onde discutimos casos reais do nosso hospital e temas de bioética e ética com professores e estudiosos da área.

Temas como morte de jovens e crianças, finitude e cuidados paliativos não são fáceis de serem abordados e requerem muito cuidado, estudo e sobretudo sensibilidade. Felizmente, temos isso na nossa Instituição, mas acredito que devemos discutir ainda mais e cobrar mais clareza de nossos legisladores para facilitar a tomada de decisão de ambos os lados: das famílias e dos profissionais de saúde.

Fontes:

Saiba mais:

Websérie sobre cuidados paliativos e luto:

Dr. José Luiz Setúbal

Dr. José Luiz Setúbal

(CRM-SP 42.740) Médico Pediatra formado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com especialização na Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduação em Gestão na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Pai de Bia, Gá e Olavo. Avô de Tomás, David e Benjamim.

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