PESQUISAR
Dispensar sobremesas, evitar frituras e dar prioridade às verduras nas refeições são tarefas árduas para os adultos, e ainda mais complicadas para as crianças, que vivem um período de desenvolvimento biológico e social. Especialistas defendem que o hábito de comer bem precisa ser ensinado aos mais jovens pelos pais, para evitar que problemas mais graves, como o diabetes e pressão alta, por exemplo, surjam e acompanhem os menores até a vida adulta. Esses ensinamentos são considerados urgentes, principalmente no Brasil, que sofre com uma população infantil acima do peso.
A obesidade infantil é um dos problemas que mais preocupam autoridades da área de saúde pública. Essa apreensão se justifica com os dados vistos no guia “Situação alimentar e nutricional de crianças na Atenção Primária à Saúde no Brasil”, publicado em 2022 pelo Ministério da Saúde. O estudo avaliou os hábitos alimentares e o peso de mais de 1 milhão de crianças brasileiras. A pesquisa mostrou que 15% dos bebês abaixo de dois anos estão acima do peso e que 30% do grupo da mesma faixa etária consome alimentos altamente adocicados, como sucos e doces.
As informações vão totalmente na contramão do cenário ideal, explica Priscila Maximino, nutricionista e pesquisadora do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares (CENDA) do Instituto PENSI. “Para um bebê estar acima do peso é necessário um ambiente muito ruim. Ele nasce com a capacidade inata de autorregular a sua ingestão energética. Sabe a hora de mamar e a de parar”, destaca.
O excesso de peso foi um problema identificado também em 16% das crianças de dois a quatro anos. Na faixa etária de cinco a nove anos os números são ainda mais preocupantes, com 31,7% dos brasileiros apresentando sobrepeso, sendo que 50% deles ingerem com frequência alimentos gordurosos. Priscila explica que as crianças a partir de cinco anos mostram um aumento de peso mais expressivo devido à combinação de dois fatores: crescimento e a falta de prática de atividades físicas. “É uma época da vida em que surgem muitos hábitos danosos, como se alimentar assistindo à televisão, além de eles deixarem de lado as brincadeiras ao ar livre, por exemplo”, detalha a especialista.
Alerta do corpo
A falta de exercícios físicos durante a pandemia de covid-19 foi o catalisador para o ganho de peso de Nicole Maciel, de dez anos. Nos dois anos que ficou em isolamento ela deixou de brincar na rua com os colegas, saiu do balé e passou a assistir à televisão na companhia de industrializados como doces e salgadinhos. “Confesso que também fui muito permissiva; acabei deixando que ela comesse o que quisesse”, conta a mãe, Kátia Simone Maciel, de 53 anos, professora aposentada.
Ao ver a filha engordar, ela se preocupou e decidiu levar a pequena ao endocrinologista, que pediu uma série de exames. Os resultados apontaram um alto índice de glicemia que estava próximo de se tornar pré-diabetes. Para evitar problemas ainda mais graves, Nicole ganhou a ajuda de uma nutricionista, que orientou os pais a mudarem os hábitos alimentares da filha. “Fizemos ela frequentar a natação, além de comer mais frutas e verduras. No começo rejeitava, queria até vomitar, mas ensinamos aos poucos que, para ela dizer que não gosta de um alimento, precisa experimentar ele mais de uma vez”, conta Kátia.
As mudanças graduais foram fazendo efeito e Nicole conseguiu perder os quilos extras, além de ter mais disposição para suas tarefas diárias. “A nutricionista me disse que os exames estão normais, e que ela não está emagrecendo nem engordando mais, e esse é o ideal para ela crescer bem”, ressalta a mãe. A melhora na saúde de Nicole também sofreu influência dos hábitos de seus pais, que mudaram a forma como lidavam com a alimentação para que a filha continuasse motivada na adoção de uma vida mais saudável. “Eu e meu marido também passamos a comer de maneira mais equilibrada e buscamos sair mais, dar caminhadas com ela, por exemplo. Não compramos tanto doce. Acho que esse também é o segredo para manter os ganhos dela”, comemora Kátia.
Cinto de segurança
A maneira como os jovens se alimentam só pode mudar sendo guiada pelos pais. “A criança não tem poder de compra nem a capacidade cognitiva de entender o que é melhor para ela”, defende Priscila. “É o mesmo que fazemos ao dirigir na companhia delas: pedimos que coloquem o cinto de segurança para protegê-las”, afirma. A especialista explica que esse cuidado constante é necessário já que vários fatores presentes na rotina da criança são responsáveis pela obesidade infantil. “O excesso de peso é uma condição multifatorial; não é um alimento que vai levar a ele, e sim o estilo de vida daquela família que influencia. É um problema de ordem psicossocial”, ressalta.
A nutricionista também destaca que para ajudar as crianças a controlar o peso não faz sentido adotar as mesmas medidas usadas pelos adultos quando eles querem emagrecer. “Não existe uma dieta para Crianças. Elas não podem restringir carboidratos como nós porque precisam de todos os grupos de nutrientes nessa fase da vida: cereais, proteínas e lácteos, óleos e gorduras. Só que eles precisam estar bem distribuídos”, diz. Os pais devem agir desde cedo para evitar que problemas mais graves surjam no futuro. O peso extra adquirido durante a infância pode gerar enfermidades graves como colesterol alto, hipertensão e diabetes, por exemplo, que podem se manter pelo resto da vida. “É importante que as crianças se movimentem para se proteger desses males. Indo ao parque, pulando corda, andando de bicicleta. Isso tudo são estratégias que os pais podem usar no dia a dia”, sugere.
As previsões quanto à obesidade infantil para os próximos anos também reforçam a necessidade de uma mudança dentro das famílias. A segunda edição do Atlas Mundial da Obesidade de 2023, divulgado em março pela Federação Mundial de Obesidade (World Obesity Federation), revela que até 2035 pelo menos um terço das crianças e adolescentes brasileiros pode apresentar aumento de peso. O levantamento também indicou uma taxa de crescimento de obesidade infantil de 4,4% ao ano. Para adultos essa taxa é de 2,8%. “Mais da metade dos brasileiros estão com excesso de peso. E muitos desses adultos são pais, o que contribui para que as crianças sofram com o mesmo problema. É preciso conscientizá-los para reverter esse cenário”, alerta Priscila.
Por Rede Galápagos
Leia mais:
O peso da autoimagem para crianças e adolescentes obesos
O tempero da vida – Mauro Fisberg
Leite e trigo não são vilões, mas exigem cuidados para determinados organismos
“Com parcerias, é possível fazer política pública implementada por meio do setor privado”
Cinco mitos ou verdades sobre a lavagem nasal infantil
Aconselhamento genético oncológico: por que é tão importante