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Terceira Obra

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21/09/2021
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Tenho o costume de fazer “listões” de livros no meu perfil do Instagram, onde falo sobre literatura (pra quem quiser seguir, é o @lu.loew). Esses listões vêm das obras que recebo aqui em casa – que as editoras, e às vezes alguns autores, me enviam. Eu adoro cada pacote que chega, é como se fosse Natal: abro com as minhas filhas e a gente conversa sobre as capas, pergunto quais elas escolheriam na livraria, qual preferem ler primeiro. Tudo isso me ensina um monte de coisas: o que atrai as crianças em um livro, que tipo de ilustração e projeto gráfico elas gostam mais, quais as diferenças entre o que nós, adultos, e as crianças achamos interessante e nos desperta para querer abrir um livro e começar a ler.

Costumo deixar juntar um número bom de obras recebidas e aí faço o listão, falando um pouco de cada um, contando nossas impressões de leitura. Tenho o hábito de falar só dos livros bacanas, que nós gostamos realmente – acho que não precisa falar mal de nada nem ninguém, ainda mais se tratando de uma obra literária em que alguém colocou muita dedicação e energia. E por “bacanas”, entenda-se: os que nós curtimos ler, que nos deram prazer (falei sobre esse critério no meu último texto, aqui).

Só que da última vez que fui fazer um listão acabei não falando de nenhum dos muitos livros que recebi. Por que eram todos ruins? Não. Mas porque percebi, sim, que alguma coisa estava me incomodando: 99% dos livros daquela leva eram livros “para conversar com a criança sobre…” – e o resto da frase você pode completar com o primeiro tema que surgir na sua cabeça: gênero, minorias, alimentação saudável, etc. Todos os livros eram úteis para alguma coisa. Esse era o problema: os livros têm que ser sempre úteis?

Pois eu acho que não. A literatura é um lugar que serve para não servir para nada – e por isso mesmo é que serve para tudo. É aquele lugar em que a gente mergulha e encontra, dentro do livro, o que quiser e precisar, adaptado de forma única para nós. Já falei para vocês sobre um conceito que eu amo chamado “Terceira Obra”? Bartolomeu Campos de Queirós disse uma vez que a literatura era “um diálogo de fantasmas” – os da cabeça do autor e os da cabeça do leitor. E que a verdadeira obra literária era o resultado desse diálogo, ou seja, uma terceira obra, que jamais seria registrada. O que ele quis dizer com isso é que não existe um mesmo livro para dois leitores: cada livro que lemos só existe para nós pois é uma combinação única do que está escrito com o que existe dentro da gente. E essa mágica só pode acontecer se o livro chegar a nós com essa porta aberta para que entremos e entreguemos ali o que há de nós também. Se um livro vem pronto, moldado, como um professor de antigamente com a aula preparada, sem planos de interação com os alunos, haverá poucas chances de que possamos contribuir ali. E sem contribuição não é literatura, é livro didático, utilitário.

Confesso que fiquei com um pouco de pena das nossas crianças quando olhei para aquela pilha gigante de livros utilitários. Nossos filhos merecem poesia e aventura, merecem o prazer de mergulhar com liberdade total numa obra e formar, com o livro, a Terceira Obra que será só delas. Minha filha, outro dia, comentando uma personagem nova de uma turma famosa dos quadrinhos, disse: “não gostei dela, porque ela não participa da história, ela só aparece pra ensinar alguma coisa. Parece uma professora”. Pois. Quantos livros e personagens ultimamente têm cara de professores?

Aí você me pergunta: mas então os livros não servem para conversar sobre determinados temas com as crianças? É claro que servem. Livros são a ferramenta mais maravilhosa que existe para isso. O importante é a gente entender que há os livros que foram feitos com esse objetivo e os que foram feitos para contar histórias – e são estes últimos os que funcionam, porque são os que dão prazer de ler. E sem o prazer de ler, não adianta nada.

Luciana Loew é consultora de comunicação, pesquisadora de literatura para crianças e jovens e especialista em textos literários pelo Instituto Vera Cruz. É colunista da revista Pais&Filhos e co-idealizadora da Literatoca, iniciativa que busca aproximar as famílias brasileiras dos livros. Mãe de Teresa e Alice, duas pequenas e ávidas leitoras.

Luciana Loew

Luciana Loew

Luciana Loew é consultora de comunicação, pesquisadora de literatura para crianças e jovens e especialista em textos literários pelo Instituto Vera Cruz. É colunista da revista Pais&Filhos e co-idealizadora da Literatoca, iniciativa que busca aproximar as famílias brasileiras dos livros. Mãe de Teresa e Alice, duas pequenas e ávidas leitoras.

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